Poesia sobre a Encarnação do Verbo - São João da Cruz - LINDOS DEMAIS

"Já que o tempo era chegado em que fazer-se devia

o resgate da esposa que em duro jugo servia,

debaixo daquela lei que Moisés dado lhe havia,

o Pai com amor terno desta menria dizia:

- Já vês, Filho, que tua esposa à tua imagem feito havia,

e no que a ti se parece contigo coincidia;

mas é diferente na carne, que em teu simples ser não havia

pois nos amores perfeitos esta lei se requeria,

que se torne semelhante o amante a quem queria

porque a maior semelhança mais deleite caberia;

o qual, por certo, em tua esposa grandemente cresceria

se te visse semelhante na carne que possuía.

Minha vontade é a tua - o Filho lhe respondia -

e a glória que eu tenho é tua vontade ser minha;

e a mim me agrada, Pai, o que tua Alteza dizia,

porque por esta maneira tua bondade se veria;

ver-se-á teu gran poder, justiça e sabedoria;

irei a dizê-lo ao mundo e notícia lhe daria

de tua beleza e doçura, de tua soberania.

Irei buscar minha esposa e sobre mim tomaria

suas fadigas e dores em que tanto padecia;

e para que tenha vida, eu por ela morreria,

e tirando-a das profundas, a ti a devolveria.

Então chamou-se um arcanjo que S. Gabriel se dizia,

enviou-o a uma donzela que se chamava Maria,

de cujo consentimento o mistério dependia;

na qual a santa Trindade de carne ao Verbo vestia;

e embora dos três a obra somente num se fazia;

ficou o Verbo encarnado nas entranhas de Maria.

E o que então só tinha Pai, já Mãe também teria,

embora não como outra que de varão concebia,

porque das entranhas dela sua carne recebia;

pelo qual Filho de Deus e do Homem se dizia.

Quando foi chegado o tempo em que de nascer havia,

assim como o desposado, do seu tálamo saía

abraçado a sua esposa, que em seus braços a trazia;

ao qual a bendita Mãe em um presépio poria

entre pobres animais que então por ali havia.

Os homens davam cantares, os anjos a melodia,

festejando o desposório que entre aqueles dois havia.

Deus, porém, no presépio ali chorava e gemia;

eram jóias que a esposa ao desposório trazia;

e a Mãe se assombrava da troca que ali se via:

o pranto do homem em Deus, e no homem a alegria;

coisas que num e no outro tão diferente ser soía.

S. João da Cruz,

Romantes Trinitários e Cristológicos,

Toledo, Cárcere - 1578.

Créditos: GRAA

Créditos: GRAA http://escritosdossantos.blogspot.com/2013/04/poesia-sobre-encarnacao-do-verbo-sao.html
Enviado por J B Pereira em 01/10/2018
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