Finados
“Como podes ter esperança
Ao ver essa putrefação
A dança da chuva com o vento
Os vestígios de um ladrão
Nesse amaro cemitério
Necrópole em labirinto
Como podes tu sentir
Outra coisa do que sinto?
Os anjos com as asas quebradas
Os vasos a chorar
Os crisântemos não bebem tudo
A água chega a extravasar
Se até os vasos choram
Que posso eu fazer?
Vivo temendo a morte
Morro enquanto viver
Luto é meu nome
Discuto com o meu irmão
Esperança é esse parvo
Tonto, idiota, aldrabão”
Então falou a Esperança
“Eu me chamo Esperança
E vivo a esperar
Mas sempre em andanças
Para pouco parar e descansar
Na verdade me alegra ver
Cair a chuva neste lugar
Como cai também o homem
Que mesmo caindo a valer
Não cansa Deus de perdoar
Como Cristo abriu os braços
Abrem-se as flores no espaço
Imitando O Redentor
A chama da vela queima e se desdobra
Ofuscando com o seu abraço
As contas lacrimosas
Do rosário da chuva
Tocam a terra
Deus sofrendo por quem sofre
Por quem morre, por quem erra
A chuva cai submissa
O vinho se levanta
No cálice sagrado
Contemplo a Hóstia Santa
Nessa missa de finados
Caro luto meu irmão
Existente e necessário
Para ver atrás da campa
Ergue os olhos ao campanário”