A MAIS BELA POESIA
A MAIS BELA POESIA
Ele realmente veio. Foi um menino que nos nasceu. Veio entre os pobres, entre os poucos, entre os anônimos, entre os doentes, os quase mortos – os talvez já mortos.
A vida, contudo, não lhe permitiu nossos privilégios – os de sonhar, mesmo que fosse Aquele ao qual o maior dos privilégios lhe devesse ser ofertado, é fato que Ele não nasceu para viver como todos os outros humanos, Ele nasceu apenas para morrer.
Não era homem para construir uma vida cheia de sonhos, era homem marcado desde menino com um propósito, o mais difícil de todos, nós que éramos do mundo não o recebemos, Ele que devia vencer o mundo não foi por nós acolhido, Ele veio, mas veio tão diferente, sua natureza nos constrangeu.
E era apenas com o olhar, apenas com o olhar, aquele que é substancialmente superior a qualquer tipo de declaração, que Ele aturdia nossa alma, rasgava nossos íntimos; conviver com Ele, ainda que por pouco mais que trinta anos, foi assustador, vivíamos como se não nos conhecêssemos, Ele nos mostrou como conhecer, e quando conhecemos a nós mesmos jogados no chão, no frio, envolvidos de pavor, encharcados de lágrimas, todos ficamos.
Ele veio, mas não veio para viver. Ele veio, veio para morrer. E parece que em sua morte fez o que ninguém jamais faria mesmo em um milhão de vidas. O que Ele fez não se concebe. O que Ele fez não tem possibilidade de ser compreendido. Como Aquele que tinha a mais pura das vidas pôde entregá-la?
Deus morreu. Deus foi morto. Deus foi assassinado.
Ainda que seja difícil de entender as duas coisas são verdadeiras ao mesmo tempo, Ele não apenas se entregou, Ele não apenas foi assassinado, Ele se entregou quando foi assassinado. Podia Ele ter sido morto se não fosse um ato como todos os seus tipos de ato – os de entrega total? É verdade que o que mais torna belo o ato da morte de Deus é o fato de que Ele voluntariamente decidiu se entregar, se vulnerabilizou ao máximo para que sua vida pudesse correr algum risco, para que a morte, coisa que nunca foi inventada pelas suas mãos pudesse a Ele mesmo abocanhar.
Contudo, não é menos verdade que ainda que tenha sido o ato totalmente sacrifício foi ainda um ato de assassinato. Nós o matamos.
E o matamos com uma arma forjada no fundo dos nossos doentios corações, uma arma de tortura, porque para nós não bastaria apenas a morte, somente se esta fosse a consequência última de uma tortura. Foi por isso que o colocamos naquela cruz, sabíamos que as chicotadas não tinham sido o bastante, o vinagre que desceu queimando sobre seus cortes não bastou, a coroa de espinhos envenenados não tinha sido ainda suficiente, nem mesmo a lança que perfurou seu pulmão poderia bastar. Tínhamos que colocá-lo numa cruz, o símbolo máximo da vergonha, tínhamos que pregá-lo onde Ele não tinha mais direitos, e daí que Ele tivesse criado tudo? E daí que se a criação era Dele era também Ele que merecia todos os créditos e todos os direitos?
Sobre a cruz o colocamos, sabíamos que a posição desconfortável lhe faria pensar que seus ossos estavam sendo rasgados por dentro, foi pelos seus gritos de dor que nos reunimos ao redor daquela cena, mesmo que Deus estivesse nu e tivesse com vergonha por isso o que queríamos mesmo era apenas cuspi-lo e envergonhá-lo ainda mais, e mesmo que desesperadamente gritasse sentindo seu abdômen sendo partido em dois naquele madeiro o nosso único presente para Ele, inflamado de sarcasmo, era um sorrisinho sádico de prazer.
Mas, Ele nos surpreendeu neste momento, como se não houvesse impossíveis para si, Ele ainda conseguiu nos surpreender mesmo neste momento.
Deus nos mostrou seu Amor.
Nós o mostramos nossa Arma – a cruz.
Perante a Arma o próprio Amar chorou, como se num só momento fizesse duas coisas, em primeiro lugar vencia o mundo, mas ao mesmo do tempo clamava para este próprio mundo que se arrependesse e pudesse também vencer. Vencer sozinho para Ele não era o bastante.
Perante a Arma o próprio Amar suspirou. Assim na impetuosidade do seu destino, como se não fosse possível para nós perceber que com as mesmas quatro letras (a,a,m,r) pudesse ser escrito “vida” e pudesse ser escrito “morte”. A arma perante o amar. A morte perante a vida.
Se a cruz foi a morte que lhe demos, Ele a partir dela mais uma vez nos deu vida.
E foi neste momento que a mais bela poesia foi escrita.
A Vida (Deus) ali morreu, para que a morte (nós) pudesse viver. No fim apenas a vida prevaleceu, a vida que morreu ressuscitou, seu coma não durou mais por algum motivo do que três dias, seu fôlego retornou; por outro lado, aquela que já estava em estado de esquecimento pôde lembrar de si mesma, do frio, a morte, foi aquecida, onde só havia desertos de escuridão brotaram rios de águas vivas. A morte viveu.
Contudo, como diria o apóstolo muito do que fazemos ainda é como “tornar a crucificar Cristo”, mas não como se nisso quisesse dizer que trazendo mais infinitas mortes de Deus, mais infinitas vidas seriam resgatadas dos braços da morte. Não! O sacrifício de morte que trouxe vida foi apenas um. O sacrifício de tortura sobre o maior dos inocentes, entretanto, é o que permanece.
Mas, será que não nos bastou torturar Deus?
O que os séculos respondem: Não.
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