Dores de um sacrifício que não fiz

Subida Sentenciada

Ele caminha trôpego pelas ruas de uma cidade assombrada
Quem o via dizia da dor vã que ele sentia, porque de nada aquilo sentido tinha
E mesmo assim ele caminhava decidido
Fraco sim, afinal os açoites que recebera naquela tarde eram demais
Acima dos crimes comuns ele pagava pelos mais cruéis

Mas não desistia, o peso de sua humilhação nem o permitia levantar o rosto
Se é que ele queria contemplar a subida que ainda precisava vencer

Bem acima uma dor maior ainda o aguardava
Sob seus pés o terreno ia sendo consumido aos poucos
Resolvido a enfrentar a recompensa pelo crime dos outros
Humilhado, espancado, eleito para morrer trocado pela liberdade de um criminoso
Sujo, seminu, sangrando, falsamente coroado

Era incrível ver tamanha decisão, num ser tão ultrajado
Subindo em direção à sentença
Morte anunciada de um ser Deus
Subida sentenciada de quem nada fez por merecer

O Peso da Força

Muitos que aquilo presenciavam não entendiam o que acontecia
Um homem simples de ideias arrojadas que por elas era condenado

E tinha sede, não precisava dizer, quem naquelas condições não teria?
Mas não lhe ofereceram água, não lhe ofereceram nada
Até que tarde demais já fosse e ele mesmo, na insuportável sede pediu
Para em que em vez do líquido que a ninguém se nega, uma bebida ruim recebesse

Era tarde então, agora estava pregado no seu vetor de morte
Da crueldade insana humana que o obrigou a carregar o peso
Para depois ter seu peso nele fixado, no equilíbrio dolorido de um pé sobre o outro
E estes cravado na madeira
Sem poder usar as mãos, também pregadas, distantes do pedido de socorro
O sol começava a se por, e as forças físicas se esgotavam
Último olhar para cima, balbuciando algo para alguém que ali não estava em matéria
Sangue e suor nos olhos, uma cabeça pendeu, e sucumbiu


O Frio da Ida

Mortuus est… exaltaram alguns e lamentaram outros
Aquele que passou 33 anos fazendo o bem e ensinado o bom caminho
Estava morto sob o tratamento mais cruel que alguém poderia ter sofrido
Restava apenas um corpo sujo e ferido para sepultar
Até seus poucos pertences foram sorteados entre os algozes

Dizem até hoje da piedade de um homem que reclamou pra si o corpo sem vida
Das pessoas que o limpara e o ataviaram para o sepulcro
Seria isso o reconhecimento do sacrifício do mestre?
Apenas um corpo ou a representação material de um Deus?

Estava escuro quando foi colocado na tumba?
Não mais importava para quem estava no domínio desconhecido da morte
Havia lágrimas nos participantes do funeral
Seria elas pela dor da perda? Ou seriam pela esperança do reencontro?
Ou ainda, ambos os sentimentos dentro da angústia…

Dentro da tumba vazia, frio estava o corpo que morreu por mim
Recebeu a sentença que me era devida
Dores de um sacrifício que não fiz…