Ecumênico, covarde, arrogante
Sou, pois, uma ordem de vários:
eu sou funcional, mas não ideal.
Não apago o fósforo com a tocha,
não bato o caniço, não grito à multidão,
tampouco chego na roda
odiando os odiadores, abominando os escarnecedores,
desprezando os abominadores.
Quando se riem, debocham, eu me aquieto,
esqueço-me; eu me fecho, sim,
eu me escondo nas sombras, com tantos outros,
com tantas multidões escondendo-se junto de mim.
Eu não admito, eu não grito,
eu não seguro as brasas, não dou a face,
não empunho a espada, não seguro a balança;
eu não me denomino povo em alta voz,
pois arranco minha própria língua todos os dias.
Eu não coloco luvas limpas,
e também não sujo as limpas de sangue;
eu não condeno o que está sujo,
antes sujo-me junto!
Eu não faço inimigos e
apenas aos amigos me dou,
junto-me a eles, à roda, ao grupo,
e nunca inimizo, jamais faço inimizades.
Sou de todos, adubo para todas as fezes.
Sou, logo, ecumênico.
Sou, pois, um amontoado de montões:
eu sou, também, como cachorro que apenas late.
Por trás, sem meu físico,
digo, ouso, sou, encaro, bato!
Em frente, junto de,
minto, choro, não sou, corro, me acovardo...
deprimentemente, sim, triste...
Finjo mas não sou, falo, mas não tenho;
encaro, mas não vivo, olho, mas não aguento.
Sou, então, covarde.
Sou ecumênico e covarde.
Sou, pois, um tanto de muitos:
eu sou, outrossim, como uma pele vestida em outra.
Minha língua não é fogo abrasador,
e minha cina não é a altivez pública;
sou como quem debocha no escuro,
ri-se de outrem em plena madrugada:
eu lisonjeio, falo educadamente,
canto o encanto, encanto o canto,
não sujo as mãos em público.
Meu beijo pode ser escarro,
e meu abraço uma punhalada.
Tenho, sim, olhos ao alto,
ao horizonte, altivez altamente alta.
Sou, portanto, arrogante.
[E não só isso, mas também orgulhoso,
soberbo, sinônimos da mesma podridão.]
Sou ecumênico e covarde e arrogante.
Sou, logo, uma ordem de misérias,
um devaneio de sucumbires,
uma matemática de enxofres,
fator após fator, fato após fato.
Sou um contar de abominações,
uma soma de erro mais erro,
multiplicando-se, proliferando-se.
Tudo em sua progressão,
tudo em sua evolução.
Um a um, ponto por ponto,
assim eu me vou; acoplam-se um no outro,
juntam-se entre colchetes.
Sou, então, uma coesão
de incoerências, uma cadeia circular maldita.
Sou um coro de ódios do céu:
o céu odeia esta orquestra.
Sou, logo, ecumênico.
Sou, então, ecumênico e covarde.
Sou, portanto, ecumênico e covarde e arrogante.
Eu, sim, eu sou: ecumênico, covarde e arrogante.
Tendo em mim uma máscara de piedade,
e um manto de sobriedade;
tendo uma couraça justaposta,
iluminando falsamente, escondendo a carne podre...
Sendo assim: todos funcionais, e não ideais.
Escondidos, reprimidos.
Cesare Turazzi, em tudo capacitado pelo Altíssimo.
[13/06/13]