MAS...

E eu que achei que a lua não brilhasse

sobre os mortos no campo da guerrilha,

sobre a relva que encobre a armadilha

ou sobre o esconderijo da quadrilha,

mas brilha.

E achei que nenhum pássaro cantasse

se um lavrador não mais colhe o que planta,

se uma família vai dormir sem janta

com um soluço preso na garganta,

mas canta.

Também pensei que a chuva não regasse

a folha cujo leite queima e cega,

a carnívora flor que o inseto pega

ou o espinho oculto na macega,

mas rega.

Também pensei que o orvalho não beijasse

a venenosa cobra que rasteja

no silêncio da noite sertaneja, sobre as ruínas de esquecida igreja,

mas beija.

Imaginei que a água não lavasse

o chicote que em sangue se deprava

quando, de forma monstruosa e brava,

abre trilhas de dor na pele escrava,

mas lava.

Apostei que nenhuma borboleta

- por ser um vivo exemplo de esperança -

dançaria contente, leve e mansa

sobre o túmulo de uma criança,

mas dança.

E eu pensei que o sol não mais aquecesse

os campos que a guerra empobrece,

onde tomba do homem a própria espécie

e a sombra da dor enlouquece,

mas aquece.

Por isso achei que eu não mais fizesse

poema algum após tanto embaraço,

tanta decepção, tanto cansaço

e tanta espera, em vão, por teu abraço,

mas faço.

Antonio Roberto Fernandes

Antonio Roberto Fernandes
Enviado por Ton Poesia em 21/01/2025
Código do texto: T8246140
Classificação de conteúdo: seguro