CARCAÇA
A dor quanto mais sentida e tão pouco mais esgarçada estica, tão mais mal interpretada fica...
Não dá pra se compreender até ser tempo de passar
Ocupar espaços vazios em tudo quanto é lugar
Cheiros que não mais existirá em parte alguma
Carinhos que não se compram nem se avolumam
Roupas sem varal de molde cárneo
Sapatos sem preenchimentos e pegadas
Óculos sem olhos a fitar olhares vazios
Energia que não se carregam em tomadas
Retratos que não consegues sentir presença, toque, camadas...
E o tempo em que tinhas quando a flor que pensavas ter
Sucumbiu ao tempo de não perceberes que isso podia acontecer...
Agora o vale é somente teu, esquece as avenidas e as ruas
Esta depressão de terra que se abriu dentro de você é toda sua
Picos e montanhas estão distantes...longânimas suas quedas
Travessias de horas imensas a correr no céu de lembranças
E danças a valsa do contentamento até criares bolhas nos pés...
Tudo se anestesia da lágrima ao sorriso crispado
Tudo plastificado como se o mercado tal qual o urubu
Tivesse que ser limpo somente por tu
Cada carniça do que não presta precisa ser reaproveitado
Revestido com as tuas couraças e culpas
Com o tempo tu aprendes que és e serás
Aprendiz do tempo, até ser tempo de tu seres a presa dele
A única coisa que eles querem é a nossa carne...
É isso que eles buscam a nossa carne
E acreditem em cada coração que bate
Eles haverão de o parar de bater...é disso que eles se alimentam....do medo que devora todos os dias a cada um de nós.