CRIAÇÃO
 

Não sei se é possível ler esse texto,
pois ele tem mais informações visuais que textuais.
Mais exato seria vê-lo.
Por isso criei no seu final uma nota explicativa.

Quem quiser pode ir direto para a nota,
e depois voltar para ler. 
Mas pode também "ler" até o final,
ler a nota, depois "lê-lo" de novo desde o início até o fim.
Ou pode fazer como bem enteender, 
até mesmo renunciar à sua leitura.
Isso aqui não o "Jogo de Amarelinha" do Júlio Cortázar".
Sei do meu lugar.

 


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é fazer algo maior que a página

 

Nota explicativa:
 
Esse texto foi escrito faz muito tempo, talvez seis meses antes. Publiquei depois despubliquei. Achei-o com uma mensagem muito fechada, muito pra mim mesmo. Eu tenho mania de fazer isso, como aqueles artistas medievais que faziam esculturas e as colocavam em caixas de pedras que eram colocadas sob as estruturas das igrejas. Acho que a ideia do final do texto é simples. Mas tem mais. Brinco aqui com os termos criar e copiar. Mas tem outros termos que não fiz presentes, como formar, construir e inventar. Quanto ao copiar do início do texto, tento desenvolver um aspecto que tirei da medicina. Vi e ouvi uma entrevista com um médico que estudava o processo replicante das células. Ele afirmava que ao longo da vida trocamos todas as células do corpo, inclusive as do cérebro (enfim a memória, a inteligência, pensamento, saudades afetividades, ressentimentos, tudo isso muda de corpo ao longo da vida, como numa mentepsicose em vida!). As células morrem devido a ação do oxigênio, esse assassino citológico. E mais, antes de morrer a células "criam" células que são réplicas das defuntas. Não criam, copiam. Sim as células são cópias que simulam as anteriores. Parece aquela coisa da matéria e antimatéria de que fala a física quântica. Ocorre que toda cópia é sempre inferior à anterior. Como nas fotocópias: se a gente copiar cópia das cópias, as reproduções irão paulatinamente deteriorando. O mesmo ocorre com a pirataria de músicas que fazemos na Internet. No caso das células, isso é que leva ao envelhecimento e desse à morte. Isso ocorre quando o "original", se não for mais possível replicar, não consegue mais fazer cópias. Só mais duas coisinhas. Quero falar do plágio, que é o tipo de cópia que envolve a autoria. Nem sempre o plágio piora o original. Esse é o caso de "Da ya think I'm sexy?" de Rod Stewart, todo mundo sabe que ela é um plágio de "Taj Mahal" de Jorge Ben Jor. Mas acho nesse caso que a cópia melhorou o original, pois Taj Mahal é uma música prá lá de bobinha (falo da música, não da letra, as duas são horríveis). A autoria é uma invenção da idade moderna e seu pleno êxito só ocorreu no século XIX. Só pra lembrar, basta dizer que Rui de Pina muitas vezes simplesmente copiou cronistas-mores anteriores. Diferente não foram os casos de Azurara, João de Barros ou Damião de Goes. Excessão feita a Pero Lopes, pois ele foi o primeiro, ele só copiou documentos, mas inventou o nacionalismo como ideia articulada ao Estado.. Não era cópia ou plágio, pois era um recurso considerado legítimo, Michel Foucault em "O que é o autor?", praticamente destrói a figura do autor. Ninguém pode ser autor de nada, o autor simplesmente usa o manancial de discursos de sua episteme. O historiador francês Roger Chartier fez um pastiche, ou melhor, uma paráfrase do livro de Foucaul com o mesmo título, para rever a gênese da ideia de autor. Para ele existe uma mítica sobre o autor, e autor é isso, um discurso. Assim, entre Cervantes e Dom Quixote, existem revisores, editores e linotipistas, tanto que é difícil dizer que ele é o solitário autor, cada um colocando e tirando textos. Assim, não falo desse tipo de cópia, a minha questão se adequa àquela questão médica de que já falei. Acho que isso  basta sobre esse tópico, embora eu tivesse mais o que falar, mas estou com preguiça. Assim, essa é a ideia que quis passar com aquele "Copiar", acima clonado até desaparecer. Que replica, replica e replica até desaparecer. Agora tem a questão do criar, essa sim bem mais complicada. O conceito de autor de que falei, parte de um princípio de que em determinados âmbitos existe criação. Usamos criar para designar ao processo de cultivar, nós criamos os filhos, animais e os japoneses criam até melancia quadrada. Existe também a noção de criado, que hoje em dia tem uma conatação extremamene negativa. Em Portugal no início da formação da Casa de Avis, que teve uma origem dinasticamente ilegítima, houve um esforço de formar uma nobreza nova, ligada mais ao Estado do que à terra, a nobreza de nascimento tnha picado a mula para a "Espanha", São as crias do rei, são fidalgos, filhos de alguém que ele cria. Criar é uma ação pedagógica que visa formar os servidores do rei. Não tem o sentido restrito de criar. Gore Vidal no magistral e imenso livro "Criação" faz uma leitura muita crítica à ideia de que os helenos "criaram" o ocidente. Ele coloca os gregos como imitadores, macaqueadores dos persas. Na verdade até alguns gregos também pensavam assim. Que é o caso de Xenofontes, aluno de Sócrates e adversário de Platão. Seu pensameno foi buscar a Pérsia, assim como quem procura as origens. Por isso escreveu o belo "Ciropedia", que trata da educação de Ciro, imperador persa. A Grécia, voltando a Vidal, seria uma cópia decadente da Pérsia, do Oriente (pense no mito de Europa, princesa fenícia raptada pelos deuses gregos). Acho que se você escarafunchar no mundo persa também não vai encontrar criação de fato. Zoroastro ali "criando" a partir de Maniqueu, que não era Persa. Enfim, quando é que o homem cria? A questão é que a rigor não seria criação, usamos criar para designar aquelas elaborações singulares feitas ou fabricadas pelo homem. O que o homem faz, enquando Homo faber de que fala Huizinga (em "Homo ludens"), é artefato e tecnologia a partir de materiais que existem no mundo. Vou apressar um pouco. Na década de 50, Edmundo O'Gorman, um filósofo-historiador mexicano, escreveu um pequeno livro que é muito inspirador, esse livro é "A invenção da América". Sua leitura é pedreira. O objetivo do livro é historiar a "invenção" da ideia de "descoberta" da América. Ele argumenta que é impossivel descobrir sem intencionalidade. Dá o exemplo de um livro perdido de Aristóteles encontrado por um Zé Ninguém analfabeto e medieval enquanto limpava a biblioteca do mosteiro: ele o encontra mas não sabe do que se trata. Ele o leva até um monge letrado, e esse então revela o Ser do livro encontrado. Só então o livro foi descoberto. Quem descobriu o livro? Claro que foi o letrado, pois ele revelou a identidade do Ser até então velado, vendado e coberto. Foi ele quem descobriu. A América tinha para a Europa um ser completamente ignorado, Como poderia ser descoberta? Simplesmente não havia como, a América seria encontrada, como alguém que tropeça numa pedra e não sabe que ela é uma pepita de ouro, e depois seria inventada. Inventar a ideia de descoberda da América faz parte da invenção da própria América. Quem cria, no sentido restrito, faz uma coisa completamente original, cria-se do nada. É o Fiat Lux! O homem não pode fazer isso, ele é criatura, não criador. Criar é potência exclusiva de Deus. Pense nas causas primeiras da filosogia tomista, é necessário o ponta-pé de Deus para dar início ao certame. O que se acredita ser criação é na verdade imitatiomímeses, atrevida imitação de Deus. No campo das artes, acho que Benjamin chamou a isso de teoria da aura. O século XIX tinha até uma visão melancólica disso. Esse é o caso de Mary Shelley em Frankstein, que é o homem criando a vida, que era um monopólio de Deus. Sacrilégio, punido com a falta de controle do homem sobre sua criatura. Vejam isso no filme  "O exterminador do Futuro", aquele futuro controlado por "criaturas" humanas. Acho até que essa idéia remete ao mito judeu do Golem, a criação monstruosa que se volta contra o próprio criador. Lembro ainda da gravura Melancolia de Albrecht Dürer, em que um homem estudioso, feito um anjo caído, com todo seu aparato de artefatos e técnicas, e ele ali ao meio jaz completamente desolado. Desolado com seu fracasso em criar: isso é melancolia. Deus não criou o homem para isso, assim ele perde o entusiasmo, pois perde Deus. O homem não cria, só inventa. Não falarei aqui, para não complicar nem alongar, de outros termos como formar, elaborar, gerar, construir ou fabricar. Mas no campo das artes e da produção intelectual, usamos com destemor conceitual o termo criar, isso para expressar uma singularidade da arte. A arte elabora coisas (palavras, textos) que não existem no mundo. No mundo contemporâneo nem falamos em representação (a mímeses de que fala Auerbach). É a aura. Isso parece bobagem nessa pobre época fake em que vivemos. Mas não. As artes usam os materias que existem no mundo, daí a importância que damos ao sentir (pathos): é com os sentidos que capturamos o mundo. A pedra de toque concretista. Aí entra a estética e a razão que são agregados interiores humanos às ideias, ideias que são a representação daquilo que foi capturado pelos sentidos. Então, assim acreditamos, criamos algo que não está no mundo. Se a gente coloca essa "criação" no mundo, ela deixa de ser intelecção e passa a ser concreção, a realização da ideia como coisa, sua reificação. Assim quando damos suportes externos à essas intelecções, como um quadro, um pedra, tinta, uma página e... uma tela, no caso da poesia passa-se da palavra-ideia para a palavra-coisa. Bem, é mais ou menos (talvez mais menos que mais) isso que pensei quando escrevi o concreto acima, quando o desenvolvimento do "Criar" se faz aos poucos, nesse caso ele não perde o gás como ocorre com o copiar, até virar uma coisa, que não cabe na página, por ser mais uma coisa do mundo. Agora voltem e releiam. Boa releitura.

P.S.: talvez eu maquie esse texto e o transforme numa "crônica" ou num artigo com jeitão de ensaio.