MONÓLOGO-14.(Mágoa de Ribeirinho).

LAMENTOS PELO PROJETO DE CONSTRUÇÃO

DAS HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA-RO.

Sentado entristecido,

Olhando o horizonte,

Isso já bem a tardinha,

Chora a sorte mesquinha,

Viu o sol descer no monte.

Olha caboclo tristonho,

A terra sendo escavada,

E o bando de tratores,

Os cruéis devastadores,

Na construção de estradas.

Tá indo embora a nascente,

Que matou a minha sede,

Quando logo aqui cheguei,

Com alegria até chorei,

Espojado em minha rede.

Vejo sair meus amigos,

Vão embora meus irmãos,

Na construção de barragens,

Sentimos como miragens,

Essa imensa construção.

Parece-me ouvir o choro,

Da grande mãe natureza,

Pouco a pouco destruída,

Sentido perder a vida,

Lamentando as incertezas.

Olho os velhos barrancos,

Do impoluto rio madeira,

Com suas águas barretas,

Hoje se tornam cinzentas,

Todas cheias de tranqueiras.

Os meus irmãos ribeirinhos,

Deixados no abandono,

Expulsos de seu torrão,

Indo em busca de outro chão,

Sofrendo igual cão sem dono.

As taperas que se deixam,

Essa humildes moradas,

Arrancam os moradores,

Como se fôssemos impostores,

Sair sem direito a nada.

Foi-se embora vida simples,

Sem orgulho e ambição,

Desfaz-se cada família,

Nessa infame armadilha,

Por nome modernização.

Nossos filhos que tristeza,

Inocentes criaturas,

Nos aglomerados urbanos,

Quis o destino tirano,

Remeter-nos as torturas.

Lembro-me de quando aqui,

A noite vinha chegando,

Eu ficava aqui deitado,

Meus filhos tinham chegado,

Todos sorrindo e brincando.

Mas agora não tem jeito,

Tudo foi de água a baixo,

É como já dizia o poeta,

Nesse mundo nada presta,

Fomos ao fundo do taxo.

A quem se atribui a culpa,

Diz-se da tal modernidade,

Causando essa anarquia,

Destrói as nossas famílias,

Com tanta perversidade.

Olho pra aquele remanso,

Onde sempre fui pescar,

Ali armava as malhadeiras,

Distante das corredeiras,

Cercando os Arapapás.

Nossa linda queda d’água,

O lugar das pescarias,

Hoje está toda coberta,

E as casas são desertas,

Não se ver uma família.

Levam com o tal progresso,

A nossa dignidade,

Sem ter-nos como impedir,

Tiram a gente daqui,

Pra ir sofrer na cidade.

Até a minha velha canoa,

Que tanto me acostumei,

Foi para o seco puxada,

Hoje está toda rachada,

E eu nunca mais usei.

O remo feito à mão,

Pelo seu Manoel Canário,

Tirado de uma catana,

Alisado pela plaina,

Já tem quase um centenário.

A minha tralha de pesca,

Vai ficar toda perdida,

Corta-me o coração,

Deixar minha profissão,

Onde gastei toda a vida.

A herança de família,

Que me deixaram meus pais,

Na função de pescador,

Que vem desde meu avô,

Para mim não serve mais.

Mareja-me os meus olhos,

Nessa mudança cruel,

É como se a minha vida,

Fosse toda consumida,

Como um barco de papel.

Mas o que será de nós,

Os caboclos ribeirinhos,

Expulsos de nossas terras,

Como se fosse na guerra,

Desse progresso mesquinho!

Cosme B Araújo.

31/01/2014.

CBPOESIAS
Enviado por CBPOESIAS em 31/01/2014
Reeditado em 26/04/2021
Código do texto: T4672290
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