Fecho a geladeira e vou dormir.
Se todos querem ser rei, ou se acham reis, eu me vejo como aquele sacerdote que não leva nenhum dote para fazer o trabalho pesado e sujo.
Minhas mãos são trêmulas, meu cérebro tem uma parte viscosa, meus hormônios vivem em um debate...
Eu me debato todos os dias na parede para ver se me quebro de vez – talvez eu seja um quebra-nozes.
Foda-se o que sou e o que quero ser. Talvez eu queira tomar um banho quente, deitar numa cama macia e delirar um pouco sobre todos os castelos que viraram pontos turísticos.
E se você me oferecer aquela cerveja gelada agora, eu não irei aceitar; não gosto de cerveja. Gosto de bebida destilada, de coisas finas, mas que não cabem no bolso medíocre de uma sociedade cristã capitalista.
Detesto a capital onde moro, onde os corpos são escravos do trânsito, da comida enlatada e dos paradoxos que nos seguem.
Abro a geladeira e reflito sobre a pressão de ar que surge quando eu abro. Sobre todas desquites da Terra.
Fecho a geladeira e vou dormir.
Renato F. Marques