REFLEXÕES DE UM CADEIRANTE
De repente não mais que de repente
Encontro-me numa cadeira de rodas
A vida gira na minha cabeça um parapente
O mundo em conta-giros renasce das horas
Logo eu que jamais havia pensado
Que um dia seria um mutilado
Aquele símbolo de deficiente que há no estacionamento
Agora era meu por direito adquirido a cem por cento
Minha cabeça dá voltas em piruetas
Preso na gravidade como uma borboleta
Que perdera suas asas eu voltei ao casulo
Jamais havia pensado que seria metade homem
Metade lata e como isso me pesava em minha estrutura
Como o encaixe que emperra entre a chave e a fechadura
Uma nova vida uma nova e eterna companheira
Que me acompanhava sem deixar pegadas pelo chão
Tínhamos que nos entender afinal nascemos um
Para o outro o suor frio escorrendo na testa
Pernas amorfas sem vida sem retorno como um sol sem fresta
Ela silenciosa como uma mãe androide
Espera seu filho ao colo como um recruta
Sabendo que não fugirá á luta
É só ajustar a mente e seus traços esquizoides
Seriamos íntimos e mecanicamente confidentes
Nunca poderia imaginar que um dia seria rei
Num trono de latas uma extensão um plugue
Pés sem passos sem danças é como ir a Paris
E não conhecer o Moulin rouge
Que quer dizer moinho vermelho como é dolorido
Literalmente pela metade fui moído metade descolorido
As crinas de meu cavalo
Pararam de balançar Laurindo ao vento
Estou mais para a paciente lesma
Que se arrasta para não perder seu assento
Preciso filtrar os meus graus
Desci dois degraus
Tudo é metade e inconsistente
Só tenho sorte quando oro como um penitente
A vida é feita de contrastes amor e dor
Há muitas léguas que andar na presença da ausência
Braços fortes como os setembros em flor
Há que se ter a força hercúlea para colher os frutos da paciência
Este sou eu um cadeirante
Que agora não olha os outros de frente
Viraram gigantes e altissonantes
Mas levanto a cabeça como faz gente grande...