SOB GOTAS DUM CHANEL NÚMERO CINCO
Flashes.
E eu...
Espectadora que sou
De qualquer cenário abstrato
Ali era somente plateia.
Então, como todos...
E sem pensar muito
Também batia muitas palmas.
Vez ou outra,
A vaidade desfila
A competir consigo mesma,
Dispensando qualquer moldura
Sem ao menos se perguntar
O porquê de continuar tão ao vivo.
Em tão desbotadas cores...
E desprevenidos
batemos palmas.
Entre flashes e mais flashes,
Palmas.
Troquei de cena.
De repente, em plena rua...
Um noiva posava para a propaganda.
Era da revista, e estava linda!
Renda branca, guipir legítimo...
Pensei:
Sequer à sorte "de mentira"
Se permite sair do prumo das fantasias.
Flashes, flashes flashes...
Na outra esquina
Uma senhorinha, na faixa
Tentava atravessar a rua.
E eu ali comportadamente
Sempre só plateia
Parei o carro para deixá-la passar.
E o tempo elegantemente
Desfilou a minha frente,
De bolsa Lui Vuitton (das legítimas!)
A fragancear na atmosfera cinza
Gotas dum Chanel Número Cinco.
Flashes.
No semáforo fechado
Mais uma vez eu parei a esmo
A observar...pela passagem trôpega
da vida.
Ele idosamente saia da tabacaria.
De charuto cubano legítimo
Soprando sempre para cima,
A pular o indigente lá de baixo...
O da calçada.
Como é difícil
Mesmo frente ao tempo
baixar o olhar da vida!
Quase tropeçou no empecilho
De gente.
Estorvo humano, ainda jovem
Que sequer servia para ser plateia.
Só flashes, meros flashes.
Ali, finalmente eu fechei os olhos,
E estrangulei o coração.
Mesmo plateia
Eu renegava qualquer outra cena.
Porque,
Há cenas tão miseráveis
Que até mesmo a miséria
Se sentiria vaidosa.
Flashes. Troquei a cena,
Voltei a mim.
E eu...
Espectadora que sou
De qualquer cenário abstrato
Ali me negava a ser plateia.
Degustei da vida,
Cúmplice do mais árduo concretismo.
Dobrei a esquina, sai de cena.
Concretismo das ruas...
Duras e impermeáveis
Mesmo à clássica leveza
Dum Chanel Número Cinco.
Nota: Cenas reais.