CHARGE INVERTIDA

C H A R G E I N V E R T I D A

Estou num retrato na parede

Emoldurado em madeira prensada

Mal produzido, mal acabado

AMARELADO

Não é pintura a óleo

Não é desenho a nanquim

Não é um sudário de carvão

Não é um folder digital

Não se vê vida na foto

Só uma gravura irreal

Como se fosse só papel

Um borrão preto e branco

A moldura está carcomida por cupins

O plástico de proteção ressecou

Vê-se uma mancha de goteira

A ferrugem esfacelou o prego

A imagem está morta!

A superfície é áspera

O fundo está podre

As bordas estão puídas

Não sou visto

Nem ignorado

Não possuo rosto

Nem corpo

Não sou real

Busco a utopia

Não sou eterno

Carrego minha cruz

Querem-me prático e amorfo

Sou um substrato do meu ser

Sou uma muralha caída

Sou uma espera

Não sei mesclar o ego

Sou diferente dos meus semelhantes

Não rezo ladainhas

Faço da minha fé uma lança

Não indico caminhos

Nem instransponíveis labirintos

Não choro nas saídas

Nem aplaudo chegadas

Não sei onde está o mal

Nem escondo a justiça

Não vendo amuletos

Nem lotes no céu

Não inspiro bons pensamentos

Nem estanco loucuras

Não postulo sucesso

Nem faço jus a mendicância

Não transmito ávidas alegrias

Nem passos bobas tristezas

Não inspiro inquestionáveis verdades

Nem ofereço burras mentiras

Não retrato paz

Nem sou a favor de violências

Não oculto sonhos

Talvez impute pesadelos

Não desejo ansiedades

Nem tenho incertezas

Não reparto silêncios

Nem lindas canções

Não tenho densidade

Nem tanta profundidade

Não tenho gosto

Cheiro a mofo

Não fui, não sou nem serei: racional

Sou uma charge invertida

Embotado... Opaco

Não tenho cor

Sou indefinido

Não sou nada!

(janeiro/2006)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 09/09/2011
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