O OBSCENO E O SAGRADO
O O B S C E N O E O S A G R A D O
Uma metade de lençol cobre a realidade
Uma criança balança as pernas no penhasco
Ponderam: para que tatuar pétalas nas nuvens?
A espuma é obscena
O creme é sagrado
Um anjo faz descer goela abaixo um gato
Uma pulga terá seu cérebro embalsamado
Todos os fantasmas são lilases
O vento é obsceno
A amnésia é sagrada
Um soldado exorciza uma senhora sem unhas
Uma fada vomita dentro do ônibus
Há uma memorável desculpa no poder
O milagre é obsceno
A diarréia é sagrada
As prostitutas não cobram se sentirem prazer
O governo tem a honestidade petrificada
Os caçadores maceram os algarismos da magia
Gemer é sagrado
Considerar é obsceno
Vê-se uma orgia naquele álbum de família
Os cisnes invejam o musgo na coxa da virgem
A vergonha adula o pijama úmido de esperma
O sexo é sagrado
A escolha é obscena
Um cadáver de gravatas está ao sol
Perplexo contempla uma rachadura no céu
Um esqueleto dança uma valsa em ziguezague
A música é obscena
A máfia é sagrada
Na vitrine há fezes em exposição
Na ingênua culpa ilude-se a mulher
Na religião vê-se uma férrica ganância
A criatura é obscena
O deboche é sagrado
(fevereiro/2002)