TELOGONIA
T E L O G O N I A
[Um Capriccio de Sonetos]
WILLIAM LAGOS, dezembro de 2006
[Segundo o modelo atribuído a Gabriele d’Annunzio]
TELOGONIA I
Quando Deus inicialmente o mundo cria, [cria, cria, cria que cria.]
tudo é sem forma ainda e não tem nome. [nome, nome, inominável nome...]
Mesmo porque, na escuridão insone. [mas piscando, mui certamente.]
o Universo inteiro ainda fazia. [zia, ria, bizarria.]
Olhando para Si [de que jeito, não sei], resolve um dia [dia a dia, dia adia.]
criar a luz, para ganhar renome, [sim, porque "renone" não existe: mas renome entre quem?]
pois, mesmo a Deus, a solidão consome [some com some sem some, come]
e ver dentro de Si, Deus pretendia. [embora, sendo eterno, não possa ter intenções a realizar no futuro].
E a luz se fez [de fato, Ele a fez ou a luz O fez?] e contemplou o Pai [papai, meu papai!...]
como tudo era levado de mistura [até a Miss Tura],
na temerosa vastidão do caos. [agora arranja uma rima!].
E Ele Se olhou, achando que eram maus [como é que eu sei disso? É rima para "caos", ora!]
esses reflexos de sua grande altura [ou seja, era um deus muito comprido],
e a nova criação assim se atrai [trai trai, atrai traíra iratra trai o trem.]
TELOGONIA II
[Capriccio de Sonetos]
Já que ria,
porque é preciso saber que, quando cria,
posto que chia,
nada retira Deus da natureza.
pois que fraqueza,
visto que ela nem existe, em sua firmeza,
vez que fineza,
salvo dentro de Si, em Sua harmonia...
desfaz
Nem tampouco retira algo de Si,
afasta
a terra
para que o mundo exista fora Dele.
o universo
irretorquível
Isso é impossível, pois tudo existe Nele,
irretrucável
Nele se move e torvelinha em frenesi.
Zeus jeito,
Pois Deus é infinito, de tal modo,
a Deusa maneira,
zero
que o próprio nada se encontra no seu seio
nulo
abrange aziago.
e abriga o mesmo caos, em sonho antigo.
engloba amigo
belo
O éter inconsútil, o bem e o engodo
justo
fronteiras comigo
Não há limites no Seu estar Consigo
cercados contigo
penetra
E tudo Ele preenche, em Seu anseio.
abarca
TELOGONIA III / TELOGONIA IV
[Capriccio de Sonetos III e IV]
Portanto, a criação não vem do nada,
E é deste respirar que tanto cria:
porém da substância divina, da inefável
a luz nasce de Si, não vem de fora
perpetuação que intersticia, alada,
e o caos é revelado, muito embora
todo e qualquer espaço mensurável
eterno e desde sempre: já existia.
e mesmo além, que maior é que o infinito:
É então que Se contempla e vê de novo,
é ilimitado em Sua vastidão,
que alguma coisa precisa pôr em ordem,
existe desde sempre, em Seu bendito
porque tal deus é inimigo da desordem:
palpitar de um eterno coração.
quer coisas limpas em processual renovo.
E quando cria a luz, é que respira
Também embora Lhe pertença a confusão
à Sua própria maneira, sem que ar
e tantas coisas que chamamos "mal",
exista fora Dele, para enchê-Lo.
mas que Nele se encontram, na total
Aspira-Se a Si mesmo; e, então, expira,
revoada interior da absorção
para Si próprio de novo contemplar,
de quanto Dele flui e Lhe retorna,
nesse inefável e imaterial desvelo.
pois fora Dele é impossível tomar forma.
EMBARALHAR
Quando em desejo os teus olhos eram guizos,
me refluía a luz do seu piscar:
caleidoscópio indolente o teu olhar,
em seus lampejos tão claros quanto esquivos...
Quando vi nos teus olhos os granizos,
que já sabia iriam estraçalhar
as vidraças de meu rosto e recortar
meus sonhos, com seus golpes decisivos,
já sabia que tais guizos, em pandeiros
estavam presos... Não mais que percussão,
que nem sequer se prenderia ao meu trenó...
E descobri que teus guizos mais brejeiros
lançaste a um outro, sem hesitação,
seguindo em frente... E me deixando só.
TELOGONIAS V & VI
Quando o caos avistou,
em função dessa luz,
Fora do Ser simplesmente não há espaço:
Logo o Ser, bem depressa,
exerceu Seu poder
abrange desde já todo o Universo.
e em cada pluriverso
pôs-se logo a escolher
E outros mais que imaginar o verso,
um lugar para o espaço
no éter que reduz.
em sua loucura possa, em seu abraço...
E um lugar para estrelas
em estelar fusão,
Mas Deus não quer tão só desordenado
material essa luz
em matéria concreta,
seja o mundo em que paira, sobre a luz
que à discrição reuniu
de forma bem discreta
que gera de Si mesmo; e que reluz
no plano dos planetas,
em circular missão.
pela matéria e o éter siderado.
Foi assim entre nós:
Por isso o Ser percebe que era boa
a solidão do Sol,
a luz que produziu. E então, respira
os planetas planando...
E a Lua enluarou
mais uma vez; e as massas incoadas
a Terra no terror
fremente do arrebol,
conformam as galáxias, que à toa,
mas sem forma e vazia.
E só ao som das fráguas,
preenchem multiversos, que retira
da lava feita em rocha,
sobre tudo pairou,
das centelhas de Si mesmo inexploradas.
majestoso em poder,
soberano das águas!
TELOGONIA VII & VIII
Quando o Ser percebeu E a vida depressa
que as águas ferviam, toda a terra ocupou:
formando os vapores e a atmosfera,
os mamíferos e répteis, as aves do céu
e incontáveis insetos, Suas mãos estendeu,
esparsos ao léu, sem momento de espera:
animais multicores... E o mundo mudou.
e as águas tranqüilas em breve faziam.
Foi então que surgiu, E lhes deu mandamento,
sob o sopro divino, à fauna e à flora,
a vida marinha, em suas múltiplas formas:
às plantas e à relva, cobrindo-a de flores;
às árvores fortes, tantos peixes no mar,
em seus esplendores: agrupados em normas,
"Crescei juntamente e espalhai-vos agora!..."
batráquios e anfíbios e o mais pequenino
E a paisagem se encheu dessas formas estranhas.
dos seres virais, Aos milhares extintas,
bactérias e flora, que outras surgiram;
e os casais se encontraram o nécton e o plâncton,
e multiplicaram que alimenta as baleias.
Os golfinhos e os botos; e as frias iguanas
outros tantos de si, em fiel obediência
à ordenança divina: surgiram então,
e logo se viram um a um, nessa hora,
em que a Mente divina, senhores sem nome,
sem limites, nem peias, que o mundo tomaram,
pelo Ser contemplados, em infinita paciência...
criou Suas visões, de fulgor soberano.
TELOGONIAS IX & X
Na saga mágica
de toda a criação,
As aves são capazes de o futuro
tudo surgiu
por força da Palavra.
enxergar, pois voam longe; e a poesia
Deus ordenou que houvesse
e, de Sua lavra,
já pressentiam algum dia existiria...
surgiu a variedade
e a multidão
Ser incluídas nela seria duro,
se não tivessem nomes;
desse modo,
dos seres vivos, na povoação do mundo,
ao Ser pediram
sua denominação,
de cujas naturezas bem sabia:
enquanto as flores,
de meiga sedução,
de quanto a cada um lhe pertencia.
se contentavam
em surgir, a rodo,
E assim representava, no profundo,
nas molduras dos quadros, íntimo ser,
em que a alma se consome. nas paisagens,
ou no centro da cena, As flores desejavam
só ser vistas: quais motivos
para o olhar mudo aos animais saciar
bastava a fome. assim admirar...
Tempo não Mas cada qual queria tinha o Ser
para as ter um nome miragens.
E assim, que o distinguisse, criou
os homens em todas essas listas, primitivos,
para nomes,tal que a poesia aos
milhares recordasse seu renome. consagrar.
TELOGONIA XI
O primeiro ser humano foi Adão
[ganhou o campeonato
do "Eu-Sozinho"]
(e não havia mulher a dar palpite).
[bendito o fruto
de teu abdômen,
o homem]
Assim, Deus o incumbiu para que dite
[foi mais por brincadeira,
Ele não precisava de nomes]
os novos nomes de toda a criação.
[eles tampouco precisavam,
sabiam muito bem o que eram]
E desse modo, o homem chamou Cão,
[só para ter o prazer
de ofender o pobre inocente]
Cavalo, Tigre, Boi, Rinoceronte,
[naturalmente,
Adão falava português:
Deus é brasileiro]
Velociraptor, Dinotério, Mastodonte,
[os nomes tinham de ser grandes,
porque os bichinhos eram enormes,
por isso que não couberam na Arca]
tocando fundo em cada coração.
[operação com coração aberto,
alguns anos antes do Barnard]
De tal modo que os nomes se firmaram,
[ele prendeu um cartaz
em cada um, senão esquecia]
por indicarem, com total certeza,
[os bichos não reclamavam
e a Eva ainda não tinha o Evo,
não havia Lula, nem Petrobrás]
de cada criatura a natureza...
[quando não era natureza-morta,
pelo menos era natureza torta]
Deus assentiu, achando que era bom
[admira o tempo que perdeu com isso:
e olha que ainda não era o sétimo dia]
cada rótulo que as bestas aceitaram
[porque era O Deus;
se fosse A Deusa,
tinha botado defeito]
e a cada nome confirmou o dom.
[foi por isso que a maioria
se tornou feroz e continua
selvagem até hoje,
que nem o Adão e os Adinhos]
TELOGONIA XII
Depois, foram os peixes e as serpentes,
TRAGO,
as rãs e sapos, até as tartarugas,
EM MEUS DEDOS,
cetáceos e esturjões, mesmo os belugas:
A MÁCULA DAS ERAS.
e a cada qual deu nomes diferentes...
E Adão já se cansava. E a multidão
CONSERVO A CULPA
não cessava de chegar, esperançosa
DE TANTAS
de uma palavra mais apta ou formosa
BESTAS-FERAS.
que descrevesse, em plena exatidão,
isso que eram, para que guardassem
SEM DÚVIDA, FALHEI:
para sempre tais nomes, que diriam
TORNEI-ME, ASSIM,
aos descendentes, em todos os conclaves...
E Adão pediu a Deus que descansassem:
NADA MAIS DO QUE PALHA,
no dia sexto uma folga tirariam...
EM MEU JARDIM.
Mas lhe responde Deus: faltam as aves...
TELOGONIA XIII
E viu Adão, no seu deslumbramento,
E, MESMO ASSIM,
que as aves, aos magotes, revoavam
VOEI,
e em toda parte, ao seu redor, pousavam...
NO MEU DESEJO,
E deu à ordem imediato cumprimento.
Foi muito mais difícil, pois falavam,
DA MORTE EU FIZ
contestando-lhe assim o julgamento.
UM CARINHOSO
A cada nome surgia um argumento:
ENSEJO.
que não servia bem, lhe contestavam...
Uma ave branca quis chamar "condor",
QUEIMEI AS ASAS,
mas ela recusou, que seu pendor
NESSE ENFRENTAMENTO,
muito mais meigo era que esse nome.
E assim, a outra, de maior renome,
MAS NOVAS EU CRIEI,
deu Adão, em sonora afirmação,
NO MEU MOMENTO.
o mesmo nome da primeira rejeição...
TELOGONIA XIV
E logo satisfez-se o rouxinol
MAS NÃO AQUELE PÁSSARO,
de ter um nome que rimasse em "arrebol",
QUE QUERIA, UM DIA,
embora fosse um passarinho negro
TORNAR-SE IGUAL A DEUS.
que canta só à noite. Ouço-o, e me alegro.
Adão propôs à ave ser "pavão",
ASAS ABERTAS EM CRUZ,
porém não aceitou; e à cintilante
SER TEMA DE POEMAS,
aplicou esse nome triunfante,
TÃO POBRES QUANTO OS MEUS.
que rimaria sempre com "paixão".
E seguiu mais além. Não quis ser "ganso"
DE FATO, FOI LOUVADA,
a ave branca. E assim denominou
POR SÉCULOS DE HISTÓRIA,
uma outro pássaro, que parece manso,
mas não o é... Tampouco ser "pardal",
ESSA AVEZITA BRANCA,
que bem recordaria "carnaval",
TÃO ÁVIDA DE GLÓRIA...
a ave exigente e orgulhosa recusou.
TELOGONIA XV
Não quis saber de ser uma "andorinha";
EM SUA VAIDADE,
recusou-se, depois, a ser "gaivota",
NUNCA QUIS SER FLOR;
porque lhe parecia o nome um tanto "idiota",
E, MUITO MENOS, FOLHA.
nem quis ser "tordo", "águia" ou "tesourinha"...
Recusou-se, de imediato, a ser "perdiz",
DONDE SE PROVA
ou "tentilhão", "quero-quero" ou "bem-te-vi",
QUE QUEM MUITO ESCOLHE,
"alma-de-gato", "papagaio" ou "colibri",
ACABA SEM ESCOLHA.
nem tampouco aceitou ser "codorniz"...
Não foi "uirapuru", "coruja", nem "sabiá";
OUTRO NOME QUE ACHOU
não se tornou "pintassilgo" ou "tangará";
SER HORROROSO...
nem permitiu que a chamassem de "falcão";
nem "avestruz", nem "toutinegra" e nem "gavião".
O QUE NOS LEVA AO FIM
E é por isso que a bela e meiga "pomba"
DE UM CAPRICHO CAPRICHOSO.
só conseguiu, afinal, rimar com "bomba"!...