UM PARTO INÚTIL

U M P A R T O I N Ú T I L

O sol fumegante impele quentura na terra nua

Uma fêmea distende o braço, fende a cabeça

Vagarosamente cambaleia como bêbada

Sustêm-se pelas pernas

Escorrega na inanição... está desarranjada

Verte suor e desaba sobre o altar de sacrifícios

Os olhos dela se travam cheios de ciscos

Desobediente a face faz careta

Arde a garganta aberta por engulhos

Tiritam os dentes por pavor

No tórax acelera a mil o coração

Entre suas pernas lateja o clitóris

Exploram seu hímen com violência

Deslocam os ossos do seu quadril

Penetram sua carne virgem

O hermafrodita tem um orgasmo

A química do esperma modifica-a

Crescem os peitos espremidos

Avoluma se o magro ventre

Ressaltam as veias do colo

É prenhez de pestilência

Por fim é hora do parto

Range os dentes como maluca

Rompe a placenta e se esvai em sangue

Pela vagina retiram seu útero

Do que era o óvulo sai um monstro

A criança nasce com anatomia de ave de rapina

Do bico caem gotas de muco morno

Não plana o santo alado

O álbum traz o arcanjo despido

Expõe as tripas numa vitrine

Têm espinhos famintos de hormônios

Uma mão apalpa o púbis da estátua exótica

Curva em deferência da ama-de-leite

Dobram-se os joelhos do pregador

Ignoram que os deuses são de barro e inúteis

(março/1990)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 11/05/2011
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