UM PARTO INÚTIL
U M P A R T O I N Ú T I L
O sol fumegante impele quentura na terra nua
Uma fêmea distende o braço, fende a cabeça
Vagarosamente cambaleia como bêbada
Sustêm-se pelas pernas
Escorrega na inanição... está desarranjada
Verte suor e desaba sobre o altar de sacrifícios
Os olhos dela se travam cheios de ciscos
Desobediente a face faz careta
Arde a garganta aberta por engulhos
Tiritam os dentes por pavor
No tórax acelera a mil o coração
Entre suas pernas lateja o clitóris
Exploram seu hímen com violência
Deslocam os ossos do seu quadril
Penetram sua carne virgem
O hermafrodita tem um orgasmo
A química do esperma modifica-a
Crescem os peitos espremidos
Avoluma se o magro ventre
Ressaltam as veias do colo
É prenhez de pestilência
Por fim é hora do parto
Range os dentes como maluca
Rompe a placenta e se esvai em sangue
Pela vagina retiram seu útero
Do que era o óvulo sai um monstro
A criança nasce com anatomia de ave de rapina
Do bico caem gotas de muco morno
Não plana o santo alado
O álbum traz o arcanjo despido
Expõe as tripas numa vitrine
Têm espinhos famintos de hormônios
Uma mão apalpa o púbis da estátua exótica
Curva em deferência da ama-de-leite
Dobram-se os joelhos do pregador
Ignoram que os deuses são de barro e inúteis
(março/1990)