SOL POENTE
Do outro lado da mata, antes da curva do rio, morei.
Tugúrio minguado de espaço, pau a pique, coberto de sapé,
A porta da sala defrontava calmamente o poente sol...
Que quão luz de ribalta alumiava o rosto contente de meu pai,
Arfando como ator, e nos contar histórias no fim do dia.
Eu, o caçulinha ficava em seu colo colorindo cenários.
Recostava no calor fraterno e aconchegante de seu peito
Amparado por mãos grossas de calo e macias de carinho.
Minha mãe trouxe chá de funcho com biscoito e se juntou a nós,
Deixando perto a lamparina, pois logo tudo seria breu.
Meu irmão fez sete anos e iria para a escola rural ali perto,
Papai via nele o que não pode ser, um doutor de cidade,
A altivez de minha mãe em nos encaminhar era digna,
Costurara terninho novo, comprado botina e caderno,
Escola de uma sala só, quatro fileiras, uma para cada série.
O maior feito de papai naquele dia foi ajudar a Gemada a parir,
Vaca amarelada de quinta cria, apontou as patas dianteiras,
Más, não paria pois a bezerra era grande e a força da mãe era pouca.
Lembro que disse que enfiou a mão e endireitou a cabeça,
Amarrou cordas acima dos cascos e puxou ajudando, veio.
Mais tarde, já adulto penso em como meu pai falava das coisas,
Para ele nada era objeto, tudo ele considerava e tratava como sujeito,
A Gemada não pariu para nós, não era nossa, morava com a gente,
Cada ente era um co-surgimento dependente, vivia por interser.
Ele se incluía e nada excluía, vivo ou abiótico, praticava outridade.
Assim eram nossos finais de tarde em harmonia familiar.
Para continuar os estudos mudamos para a cidade.
Da porta da sala casa de alvenaria não se via o sol poente...
Aonde a luz do poste alumiava rosto descrente de meu pai,
Atuando como desertor, a nos evitar, no sombrio da noite.