BELARMINO
O embrulho grosso
No bolso da camisa
Era o tesouro sofrido
Do moço Belarmino.
Quanto eito feito
Em terra estranha;
Quanto pau lenhado
Lanhando seu lombo;
Quanto tombo levado
No roçado do patrão;
Quanto chão revolvido,
Formando as invernadas
Cabia no seu gibão?
Belarmino matutava
O que em casa falaria.
Se chegava calado
Ou fazendo folia.
Era o presente de Dora
Que somente agora
Ele, enfim, contaria.
Chegando na porteira,
Belarmino estranhou
Uma chusma de gente
Que ali bem em frente
De seu casebre ajuntou.
Com o coração disparado,
Belarmino logo correu.
Se aproximou gritando
"O quê que aconteceu?"
A turma foi se afastando,
Espaço dando ao Belarmino.
De dentro, um choro vindo,
Gungunado quase calado,
Desorientou o seu ouvido.
Dora, sobre a cama caída,
Esvaindo-se em sangue,
Despedindo-se da vida
No chão, uma jaguatirica,
Presas molhadas ainda
Com o sangue de Dora...
“Deus, meu Deus, e agora?”
Belarmino, mãos matutas
No manuseio de uma faca,
Tira o couro da astuta,
Ali mesmo naquele quarto
Em que Dora foi morta.
O povo parado na porta
Chorava o mesmo choro
De Belarmino, viúvo moço.
Sem dizer qualquer palavra,
A onça foi despelando
E do seu couro pintado
Fez uma terrível mortalha.
Num suspiro de despedida,
Embrulhou a amada no manto,
Jogou a faca em um canto
E saiu devagar porta afora,
Levando Dora nos braços...
"E agora, meu Deus, e agora,
Da minha vida o que eu faço?"
PAULO PAZZ