Uma lamparina e uma rede branca

Construído com tijolos de adobe, o casarão fica à beira de uma estrada de areia branca, tendo um copado pé de jatobá em frente e um quintal florido. Na lateral do terreno, há plantações de mandioca e muitos pés de frutas. Começa entardecer e o crepúsculo declinando-se ao mais belo horizonte por entre as matas da Serra. Logo chega a noite. No quintal, galos e galinhas recolhem-se aos poleiros, quando já é hora de dormir. A passarada gritante, revoa-se mudando de lugar em busca de galhos densos e altos para o refúgio do sono.

No alpendre, um envelhecido banco de madeira e uma rede branca em armadores de pau, cravados na parede. Na sala de entrada principal, tamboretes e cadeiras de couro. Na alcova, uma penteadeira cheirosa, e fincado no canto da parede, um caritó, pra guardar objetos.

Na cozinha, um pote de barro num suporte, com água de cacimba, tendo um pano colorido de retalho cobrindo a boca, e sobre ele, um copo de alumínio. Sem esquecer jamais do velho fogão à lenha, tendo encostado ao lado, um feixe de pau seco e uns gravetos pra acender o fogo.

Voltando ao alpendre, lá estão os “Cumpadi” e as “Cumadi”, e quem mais quiser chegar para prosear. Lentamente percebe-se uma escuridão natural, e aquela boa conversa entrelaça-se com causos cotidianos bem contados com o melhor jeito jeca natural de ser. E para adornar a ambientação, as sombras das árvores declinam-se sobre as janelas.

Ao interior da casa, toda caiada de cal branco, na parede, tem quadros com imagens de “Santos”, por costumes e devoção católica. Começa a escurecer, e o povo do lugar costuma dizer que: “__ESTÁ CHEGANDO A BOCA DA NOITE”. E assim, é necessário acender uma lamparina.

Mesmo escurecendo, ainda resta uma claridade diferenciada, luzida do branco alvo da rede branca, que notadamente, parece iluminar o envolto do ambiente. Só pode ser coisas de Deus, pelo firmamento límpido do algodão e da flor

Mas, acender uma lamparina é precisão essencial, quando a área rural está desprovida de instalação de energia eletrificada nas residências. Daí, entra em cena aquele pequeno recipiente artesanal de latão, abastecido com um líquido iluminante (preferencialmente querosene) no qual é mergulhado um canudo de metal traspassado por um pavio que, aceso, fornece luz atenuada pelo fogo normal. Pura magia de luz domiciliar sertaneja. Ilustres bons tempos!

A conversa andava bem, qualquer escuridão noutras dependências do casarão era absolutamente normal e nunca despercebida à época. A lamparina, com seu fogo brilhado, apagou-se com uma rajada de vento. Acenderam-na mais uma vez. De repente, ouve-se a voz do patriarca:

"__Ô Maria, faça aí um cafezinho!”.

E que café, heim? Aquele plantado nas terras ao lado. E depois de colhido, secado ao sol, torrado e pisado no pilão, é feito num fogão à lenha e adoçado com rapadura. É no Ceará, e o tempo estende-se na suave noite serrana da Ibiapaba. O prosear simples e descontraído vai virando uma novela matuta com personagens reais, mas com estendidas conversas sinceras de uma vida campal, distante de qualquer sofreguidão. Historicamente, o Sítio tem nome nobre, em um recanto chamado São Roque.

Aquele brilho de rede branca com um suave balançar, é cenário que ainda existe e resiste sob costumes de uma vida brejeira, mesmo aos contrastes do que é hoje em dia com os avanços do progresso em geral. Contudo, vivências matutas e regidas pela força do trabalho digno no campo, nada se adquire em vão, pois possui história e muita tradição.

Na Serra, no Vale, no Agreste, no Sertão, a vida é sofrida, mas existe superação. Vida: que a tua lamparina resplandeça não só do brilho refletido em um manto de algodão, mas que seja despejado luz também, na vida do sertanejo, para que haja sempre saúde e coragem na produção dos alimentos que o mundo tanto precisa

O Sertão é sofrido, mas é também inspirador de poesias e esperanças, tornando-se eternamente bonito. Que a tua rede branca seja o pano suave do repouso das famílias humildes. Também, do descanso merecido do agricultor após longas horas trabalhadas ao sol com mãos tão calejadas. Que esta luminosidade seja o alívio do corpo, da mente e do espírito.

George Lemos
Enviado por George Lemos em 31/08/2012
Reeditado em 25/03/2013
Código do texto: T3859241
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