No dizer do Ser-tão (2)
Oh! Povo deste sertão
Pessoal do meu lugar
Não estou mais distante
Já cheguei e vou ficar.
Andando no meu cavalo
Nas veredas a me inspirar
Procurando uma Deusa
Com a pele a bronzear.
Com tudo no seu lugar
De tez rubra ensolarada
Vi uma linda amazona
Antes já imaginada.
Este sertão em que eu sonho
É símbolo de muita bravura
De sofrimento e de coragem
De resistência e de aventura.
Mas tão bom de viver
De se trabalhar e brincar
De tutu muito ganhar
E os costumes cultivar.
Não sou homem letrado
Mas a terra eu sei lavrar
A enxada é minha caneta
E a semente eu sei plantar.
A música é bom lazer
A rede para se deitar
Negócio pra se fazer
Dinheiro para se ganhar.
Vaqueiro de motocicleta
É reparador de animal
Não sabe jogar o laço
E galopar até lhe faz mal.
Junta de carro de boi
Cavalo bom de jumenta
Facão rabo de galo
Fornalha que não esquenta.
Sal pro boi lamber
Gamela pra animal comer
Cercado de arame farpado
Cabaça pra se beber.
Engenho puxado por boi
Casa de farinha d’água
Mourão de sabiá maduro
Tudo tem neste lugar.
Jerimum e batata doce
Cheiro verde e agrião pra se cozer
Carne verde e peixe salgado
Na feira tem pra vender.
Queijo de coalho com goiabada
Coalhada com açúcar e farinha
Leite mugido quentinho
Beijos da amada que é nina.
Gostoso doce de frutas
Rapadura, puxa e alfenim
Batida com cravo e gengibre
Cocada e colchão de moça pra mim.
Doce de laranja da terra
Goiabada em calda fina
Doce de casca de maracujá
Quebra queixo pra mastigar.
Cana caiana e mel de engenho
Cocada e doce de mamão
Caldo de cana e açúcar mascavo
O que é doce já tem proibição.
Banha de porco pé duro
Óleo de coco da praia
Gordura de galinha caipira
Toucinho assado na brasa.
Farinha de gergelim branco
Carne escalada de carneiro
Capitão de feijão mulatinho
Paçoca no pilão é bom tempero.
Buchada e panelada
Sarrabulho de porco gordo
Comido com pão de milho
Faz engrossar o pescoço.
Queijo de coalho salgado
Também é chamado da terra
Em feira livre vendido
Além de sujo muito vencido.
Galinha ao molho pardo
Carne assada no azeite de coco
Pirão escaldado de peixe cozido
Torresmo de couro de porco.
Café com leite quente
Mungunzá salgado e doce
Castanha assada na brasa
É pra se comer em casa.
Doce de buriti
Refresco de cajá
Suco de sirigüela
Ponche de maracujá.
Na festa de tudo se bebe
E de tudo pode saborear
Pra coragem muito criar
E com as caboclas logo dançar.
Batida de limão
Licor de jenipapo
Aguardente desdobrada
Eu bebo até encher o papo.
Mocororó de arroz ou caju.
Zinebra com goma fresca
Cerveja quente sem tira-gosto
Bebo todas com muito gosto.
Lá tem bolo de macaxeira
Grolado com carne seca
Peixe assado na brasa
Grude de goma fresca.
Mandioca que não envenena
Cobra preta de leite materno
Coice de mula braba
Fogão de trempe que não apaga.
Fogueira para esquentar
Lamparina a querosene
Fogão pra lenha queimar
E fogareiro pra cozinhar.
Criança que chora à noite
Galo que canta fora de hora
Cigarra do meio dia
Nem por isto eu vou embora.
Mulher com dor de menino
Acorda todos do lugar
Salta o marido da rede
Pra cachimbeira buscar.
A fogueira está acesa
O aluá já se acabou
O balão já se soltou
E o foguete longe estourou.
Ferro a carvão pra engomar
Panela de barro suja de cinza
Ferro quente pra animal ferrar
Fogão a lenha é bom de cozinhar.
Vamos acender a fogueira
Fazer muita adivinhação
Se aliança no copo balançar
Um marido ela vai encontrar.
Forró pé de serra
Xote, samba e baião
O bis comigo ela dança
Se não, vai ter confusão.
Tamanco de umburana
Chinelo de couro cru
Vaqueta de couro curtido
Calça de mescla azul.
O tempo está se passando
Já vou cuspir no chão
Espero que não se atrase
Pois vou à procissão.
Bolo de milho e pé de moleque
Tapioca e rosca de goma
Carne seca de bode inteiro
Tem canjica e sobra pamonha.
Faltou chuva no sertão
Já secou o meu feijão
O que se plantou já morreu
Não vai ter mais salvação.
Faca, foice e facão
Goiva, martelo e machado
Enxada e pé de cabra
Sou valente no roçado.
Rapadura com farinha
Cabaça com água fresca
Chapéu na cabeça é proteção
No meu roçado vai ter produção.
Tapioca e beiju fresco
Rapadura e melaço
Pirão de galinha caipira
Tudo isso é o que eu faço.
Fubá de milho com açúcar é bom
Paçoca com cebola roxa é melhor
Torresmo pra engordar muier
Feijão com arroz pra quem quiser.
Pilão de pilar café em pé
Café com rapadura torrado
De longe se sente o cheiro
Deste gosto abençoado.
Visita só de amigos
Parente é pra se gostar
Depois do meio dia
Com a muié não vou brigar.
A noite já chegou
A novena vai começar
O sino já repicou
Vamos todos a rezar.
Na festa do padroeiro
Tem prenda para se arrematar
Na quermesse tem partido
E a rainha eu vou ganhar.
Ao longe surge um clarão
É véspera de São José
Quem usa tira o chapéu
Será chuva se Deus quiser.
Chuva grossa preocupa
Vento forte faz muito medo
Raios a partir a escuridão
A Deus meu pai, peço perdão.
A terra agora já treme
Antes era só noutro lugar
Que Deus tenha compaixão
De quem mora neste torrão.
Nas paragens da minha vida
Não tive desilusão
No amor foi só paixão
Mas perdi algum tostão.
Mas não tem vida igual
No amor uns se dão bem
Outros se dão muito mal
Sorte se precisa também.
Nos negócios fui muito bem
No amor deu tudo errado
Se casamento fosse bom
Não havia convidado.
Fim de março não choveu
O que era verde já murchou
Murici não floresceu
E a terra logo esturricou.
Cavalo estradeiro
Filho e mulher na garupa de lado
Três em cima dum
Berruga em qualquer um.
Cavalo ligeiro e marchador
Cachorro bom caçador
Chapéu que voa no alto
Deixa a perdiz dentro do mato.
O mundo não tem fim
Mas ele já se acabou
Quem sabia nadar escapou
Na Arca só bichou boiou.
Chapéu de couro cru
Cavalo, estribo e gibão
Não uso a minha espora
Pois o meu cavalo me adora.
Na minha terra tem fartura
Tem gente de toda raça
Tem cabocla bem vestida
E homem que bebe cachaça.
À noite canta a coruja
De dia gorjeia o sabiá
Está frio e vou me deitar
Pro meu bem me esquentar.
As crianças começam cedo
Levantam pra estudar
No caminho da escola
Põem as pernas pra esticar.
Voa a alma de gato
O tatu a se enterrar
A cobra corre campo é ligeira
No formigueiro tem tamanduá.
Os bichos são amigos no sertão
Estão muito a nos ajudar
E não se pode maltratar
E temos que sempre cuidar.
O burro pra trabalhar
O cavalo pra passear
O capote para avisar
E os pássaros pra gorjear.
O galo faz madrugar
A abelha pra mel fazer
A vaca pra leite produzir
E o cachorro pra defender.
E o besouro mamangava
Conhecido como mangangá
Não se pode nenhum matar
Dele depende o seu maracujá.
De dia o céu é lindo e azul
O sereno as folhas ficam a molhar
À noite brilha o Cruzeiro do Sul
E a chuva não tarda a chegar.
A vida já não é a mesma
O progresso chegou com certeza
O celular mata a saudade
O trator corta à vontade.
A estrada já não atola
O asfalto já chegou lá
Carroça vem pelo mato
Caminhão já chega cá.
Andorinha é quem faz verão
Arribação já vai chegar
O jeito desta morena
Faz meu coração balançar.
Noite de todo encanto
Água na quartinha vai esfriar
A festa de são João
Anima todo o arraiá.
Late o cachorro ali
Rincha o cavalo acolá
Galo que canta cedo
Faz a panela esquentar.
Trabalham os homens de dia
À noite vão namorar
As moças logo se arrumam
Pro seus amados beijar.
Confusão não faz sentido
Mulher valente não tem valor
Aquele velho peão
É cabra macho sim senhor.
Eu quero cedo jantar
Pois cedo logo quero dormir
Na aurora do amanhecer
Pro roçado quero partir.
Mais largo do que o céu
Mais cheio do que o mar
Maior do que a terra
É o meu coração a te amar.
Por baixo daquela ponte
Corre um rio caudaloso
Dentro do meu coração
Corre um sangue de teimoso.
Logo nas primeiras chuvas
Nasce um pasto de babuja
Não é bom para o gado
Mas a relva, é linda verdura.
Na garupa do cavalo
Estava sempre ao meu lado
Aquela que me amava
É a quem sempre eu abraçava.
Quintal do sertão
É quase sempre igual
Tem cerca de pau-a-pique
Erva trepadeira tem por lá.
Tem gamela de madeira seca
Pilão deitado no chão
Tem latada e tem chiqueiro
Pra porco gordo e criação.
Ali se cria galinha caipira
Porco, peru e cordeiro
Também tem uma casinha
Onde se banham as mocinhas.
Tem terreiro pra ciscar
E por lá cedo vai se limpar
Tem penico pra se lavar
E poleiro sujo por lá.
Comerciante neste sertão
É chamado de sabidão
Se não é a língua é o beiço
Pois pobre não vive sem pão.
Vender fiado hoje não emagrece
Vender à vista até empobrece
Hoje o fornecedor prende o cartão
E na caderneta tudo acontece.
Caixão de madeira de lei
Com farinha a esbanjar
Onde bota rapadura
Pro doce não azedar.
Peia de couro pra boi fujão
Cambito pra jumento trabalhar
Chocalho pra boi no sertão
Cangalha pra em jegue montar.
Cavalo bom de cabresto
Bridão pra burro amansar
Cambau, também chamado cambão
É no pescoço de cabrito fujão.
No meu bonito sertão
Tem criador de ciência
De tudo sabe fazer
Pessoa de boa inteligência.
À noite prende o gado
De dia a comer no pasto
Isto é uma grande lição
Pra quem quer solução.
Pois o boi sempre no pasto
Solto nem ruma faz
Também benefício não traz
E o estrume s’tá caro demais.
Meu vizinho tem um cavalo
Criado com as jeguinhas
E o que ele chama de mula
Não passa de uma burrinha.
Bichinho da altura de um jegue
Da grossura de um vem-vém
Se for fêmea chamam de mula
E burro macho quase não tem.
Mesmo quem não conhece animal
O bicho não nos engana no visual
O animal é filho de um cavalo
Parido por uma jumenta sem igual.
Naquela região também tem
Mula de boa altura
Todas são filhas da minha fera
É da raça do meu pêga e não nega.
As éguas que vão por lá
Não saem sem a monta pagar
E só nascem mulas pretas
Com cintura pra montar.
A minha horta caseira
É ecológica por natureza
Não tem segredo a esconder
Nem mistério a conhecer.
As sementes são selecionadas
Além de tudo, certificadas
Não falta água com qualidade
E as covas sempre adubadas.
À noite eu mando irrigar
Tem gotejamento e aspersão
Tem o olho do dono pra espiar
É isso que faz a lavra engordar.
Protejo contra os predadores
Que vêm dos ares e da terra
Fica próximo dum espantalho
E tem cerca vida contra o vento da serra.
Também tem sombreamento
Que filtra o raio solar
Pra fazer as pequenas mudas
Que depois quero plantar.
Não uso agrotóxico
Nem menos fertilizante químico
Prefiro o que na roça encontrar
E o que o boi deixa escapar.
Uso só manejo integrado
Na permacultura encontrado
Que a natureza criou
Depois de ser transformado.
É um trato que aproveita de tudo
E vira o adubo que Deus criou
É melhor do que a química pode fazer
Pois o biológico tem mais poder.
Pra nutrir a minha horta
Faço análise química da terra
Aplico estrume de gado líquido
E cama de galinha caipira no pé.
Incremento no plantio
Coco de criação chamada miunça
Daquela que come no pasto
E de noite no chiqueiro faz ruma.
Humus de minhocas da minha criação
Biofertilizante de biodigestor
Guano de morcego bem curtido
E uma adubação verde de forrageiras.
Pra defender a minha horta
Nada de agrotóxico
Trato praga com calda bordaleza
Cinzas, folha de fumo e baculovirus.
Agrotóxico não passa por lá
Prefiro tratar assim ao natural
Do que botar veneno pra se comer
Pois assim não passo mal.
Aqui tem forró, xaxado e baião
Xote, samba e boi bumbá
Toda animação tem por cá
Pois festa não pode faltar.
O perigo que existe aqui
É a violência que no campo há
Desta ninguém vai se livrar
Pois pra esta coisa, receita não há.
Além de maus delinqüentes
Existe o elemento surpresa
É aquilo que de repente chega
E só sabe fazer malvadeza.
Nas plagas deste sertão
Tem de tudo que há no chão
Se tem quem possa criticar
Gosta de barriga cheia reclamar.
E tudo me faz deste torrão gostar
Lugar igual como o sertão não há
Se nele eu consegui minha prole criar
É aqui que no final quero sossegar.