No dizer do Ser-tão (1)
Oh! povo da minha terra
Minha gente deste lugar
Se é que fiquei distante
Agora cheguei pra ficar.
O sertão é muito cantado
Em verso, prosa e cantoria
Agora queremos ver
O dizer do sertão em poesia.
Caminho de mesa pra decorar
Camisa de tricô pra bonita ficar
Varanda de rede pra embelezar
Tarrafa pra muito peixe pescar.
Espinho e bilro de almofada
Bonita mulher rendeira
Se namorar renda não faz
Mas se for embora vamos atrás.
Tamanco é de madeira
De couro cru é quinaipo
Saia do meio é combinação
Óleo de coco é xampu no sertão.
Se o terreno for aradar
Antes é bom gradear
Assim faz a terra oxigenar
E a agricultura faz multiplicar.
Fruta é alimento saudável
Se for salada melhor será
Se comer manga pode beber leite
Dizer que fazia mal era pra enganar.
No sítio tem terras frescas
No vale planta-se cana
Na baixa capim pro gado
Sem água banana não dá.
As encostas do córrego são verdejantes
Preservam-se com mata ciliar
Isto, para o leito não assorear
Senão água pode até não rolar.
No sertão tem rezadeira
Muita mulher raizeira
Tem chá para todo mal
Tem mulher que é boa parteira.
Tem prático de dentadura
Benzedor de animal
Capador de todo bicho
Amansador de burro mau.
Dizem que poeta é um sonhador
E agricultor um produtor
Sonhar é produzir
E o agricultor a colher poesia.
Gente dali tem bom coração
Ajuda quem tem precisão
Dá emprego a quem tem fome
Mas exige dedicação.
Espinhela caída
Quebranto em criança bonita
Antes de mandar beijar naquilo
Leve a uma rezadeira bendita.
Mulher naqueles dias
Não pode limão comer
Se passar por cima de menino
Faz ficar pequenino.
É doce o favo de mel
Oh! doce mel da abelha
Saboroso pra se comer
Gostoso pra se vender.
Azedo é o suco de limão
O gosto do jiló é amargo
Doce é a água de coco
Salgado é o suor do salário.
A pimenta tem seu ardor
Cada fruto tem seu sabor
Cheiro verde é pra comer
Pimenta nos outros é refresco.
Ali não muito longe
Onde tem mais privação
Palito de dente é cavaco
Banheiro é no riachão.
Papel higiênico é folha do chão
Necessidade é feita lá na mata
É só sujando o chão
E depois nem se lavam as mãos.
Carro de boi no sertão
Não é coisa do passado
Ele continua ao nosso lado
Pois o gemedor é tradição.
Água pra cozinhar e beber
E roupa suja lavar
Riacho não é pra sujar
E açude é bom de pescar.
Olho de cana é pra plantar
Estrume pra se curtir
Cavalo pra se montar
Tijolo pra construir.
Homem e mulher a trabalhar
É o que dizem fazer por lá
Ninguém tem tempo pra descansar
Passear só em noite de luar.
Na roça de tudo se planta
Milho, feijão e maracujá
Cana pra se moer
Mandioca pra farinha fazer.
Aqui neste sertão
A cana de tudo dá
Açúcar para se adoçar
Pinga pra se tomar.
O sol nasce distante
O orvalho cai na madrugada
A lua vem mais brilhante
É a estrela mais cintilante.
A lua vem prateada
Noite mais enluarada
Céu bordado de estrela
Clareando a minha amada.
De dia na agricultura
De noite na serenata
Quero que Deus me dê
Uma linda namorada.
Salve Rainha nossa mãe
Creio no Deus Pai que é poderoso
Maria cheia de graça rogai
No altar reza a minha amada.
O que é mesmo do homem
Dizem que o bicho não come
O que é da mulher
Acaba sendo do homem.
Nas campinas do sertão
Tem cavalo azulão
Boi manso de tração
Homem que é lampião.
Mulher bonita e faceira
Se tomar banho na biqueira
Agrada de tal maneira
Pra olhar já se dobra a fileira.
Veredas são os caminhos
Que levam à plantação
As estradas da minha vida
Despertam meu coração.
Lá tem pé de sabiá
O espinho que ele dá
Me deixa muito a pensar
Se fico cá ou se me arrisco por lá.
Diz o vendedor de cavalo
O defeito s’tá na vista
Só que ninguém sabe prever
A esperteza no vender.
Jumento que muito rincha
Ou tem fome ou vai chover
No caminho da porteira
Logo se põe a correr.
Discordo assim do dizer
Que coruja quando canta
Traz agouro na cantoria
E porque tanta aposentadoria?
Dizem que a coisa ta ruim
Reclama-se da carestia
Mas sobra trabalho a bessa
E não falta gente na festa.
Boi manso tem muita força
Touro encaretado faz medo
Por aqui o nosso cuidado
É com o chifre do coitado.
No pé daquela serra
Tem uma onça valente
Quando a bicha abre a boca
Mostra tudo que é dente.
Debaixo daquele alpendre
Deitei-me naquela rede
Foi quando vi chegar
A donzela deste lugar.
Naquela rede a balançar
Ao longe eu vi passar
A cabocla Josefina
Com seu corpo a balançar.
Aqui na brenha do meu sertão
Tem muita onça pintada
Tem loura oxigenada
E tem gente muito escovada.
Em verso muito se diz
Em prosa muito se canta
O cantar da sericóia
Faz perguntar o que se janta.
De dia é uma fartura
De noite uma doçura
De perto é uma beleza
Nos meus braços, uma certeza.
De longe muito charmosa
Comigo muito cheirosa
É assim como eu vejo
A mulher do sertanejo.
No meu sertão tem de tudo
Comércio, agroindústria e produção
Festa, seresta e mulher bonita
Violência e droga, talvez sim talvez não.
E droga, onde não tem?
Até plantam e vendem por cá
Tem até falta de vontade
Pra ninguém mais traficar.
Mas o nosso mote não é solução encontrar
Isso fica com as promessas retóricas
Aqui nos basta o melhor do sertão contar
A começar pelas boas veredas deste lugar.
Tem caminho que leva a todo destino
Tem beco pra tudo que é lado
Tem estrada movimentada
E tem encruzilhada pra hora marcada.
No meu sertão tem mulher de coragem
Homem esperto e destemido
Tem matrona e dona de casa
Tem amo e vaqueiro resolvido.
Já teve cangaceiro truculento
Hoje tem pistoleiro covarde
Falta quem queira pela lei dominar
Os mandantes e executores que há.
Mas continua ainda por lá
Quem não gosta de trabalhar
Quem prefere de tudo furtar
E o crescimento prejudicar.
Tem fazenda e tem terra fresca
Tem rês e cavalo pra criar
Tem muito o que fazer no sertão
Mas falta quem queira trabalhar.
Deus caminha com quem peca
Quem não peca fica pra trás
Homem que vira lobisomem
Sai da casa do seu bom capataz.
Burra de sete cabeças
Em noites de lua cheia
Se não usar pé de molambo
Acaba muito rastro deixando.
Beija flor colorido
Chuva na madrugada
Mulher que anda na linha
Morre sempre esmagada.
Estava eu a correr
No meu cavalo alazão
Naquela boca da noite
Com ela cai no chão.
Meu querido sabiá
Meu belo sanhaçu a cantar
Sabitus sempre a pular
Alma de gato a miar.
Cupido minha graúna
Estava eu a te olhar
Debaixo daquela mangueira
Onde o corrupião vem te imitar.
No sertão quando não chove
Fica ruim pra se viver
Muita gente passa mal
E apela pro êxodo rural.
Meu cajueiro amigo
Meu pé de manga rosa
A flor do maracujá
Desperta com toda prosa.
Passam nuvens ligeiras
Ventos norte a soprar
Do alto daquela serra
Sai um trovão a estralar.
O sal de Santa Luzia
No sereno vai ficar
Se não molhar seca virá
Se molhar o céu vai pedrar.
O relâmpago é muito claro
Raio forte a iluminar
A velha Chica entrou pra dentro
Pra seu espelho guardar.
Deus dará todo Santo Dia
Trabalho pra minha gente
E no meio deste lugar
Riqueza não vai faltar.
Nas asas da borboleta
Voando pelo jardim
Tem um desenho colorido
Parece feito pra mim.
Late o cachorro valente
Canta o galo fora da madrugada
Talvez seja a moça do Quinzim
Que na aurora vai dando o fora.
Oitão do lado da sombra
Alpendre pra se deitar
Campinas pra se correr
Cavalo bom de montar.
Sombra de juazeiro
Espinho de mandacaru
Unha de gato que fura
Bananeira tem leite que cura.
Rendeira a fazer renda
Artesanato de bucha de coco
Telhado de palha de buriti
Parede de taipa sem reboco.
Casa de palha seca
Casa de ferreiro é de pau
Cerca de pau a pique
Oitão que tem bom girau.
Piso de chão batido
Parede feita de saibro
Porta de maçaranduba
Tem tramela e fechadura.
À noite se tira o terço
De manhã mata o capão
Na copa se toma um ponche
Na cozinha só tem baião.
Capote diz que to fraco
Papagaio a repetir palavrão
Galinha enquanto canta
Não é escolhida para canja.
Mulher que pouco se enfeita
Por si só se enjeita
Aquela que muito se ajeita
Nem todo preferente ela aceita.
Pirão de carne cozida
Doce de leite com limão
Chorisco de porco da terra
Tudo é comida do sertão.
Galinha da raça pé duro
Cavalo pequeno é pangaré
Galopar em animal chucro
Faz doer no coração e no pé.
Vassoura atrás da porta
Visita que não vai embora
Pela conversa não demora
Quer outro prato de amora.
A professora é mulher bonita
E sabe bem ensinar
Conjugar o verbo amar
Só pra quem lhe encantar.
A dona de casa é perfeita
De tudo sabe fazer
Gosta mais de arrumar
E mostra tudo no seu lugar.
Montava o meu cavalo alasão
Nas veredas do sertão a passear
Em busca de inspiração
Ao longe uma iluminação.
Era um anjo em forma de mulher
Uma linda deusa sertaneja
E sua pele me ofuscava
E com ela eu me imaginava.
De repente fiquei a pensar
E me veio uma linda amazona
De pele rubra ensolarada
De formas bem aprumadas.
No sertão tem mulher jovem donzela
Às tardes no parapeito da janela
A espera de quem não vai chegar
Mas tem marmanjo a desejar.
No dizer do sertão
Aqui vai pausar
É só um pouco esperar
Logo vamos continuar.