Devaneios
Vou entrando por teus olhos
Em cada palavra lida
Pra ser parte de tua vida
Oferecendo-lhe os molhos
De rosas brancas em folhos
Onde exumo a alegria
Nas pálpebras da poesia
Dadas em salvas de prata
Que o meu ser todo retrata
Puro e pleno de alegria.
Mas às vezes a nostalgia
Me toma, feito um carrasco
E o meu corpo vira um frasco
Vazio sem serventia
Preso a essa fantasia
Eu sonho me libertar
Corro pro primeiro bar
Pra me entrego ao vinho
E voltar qual passarinho
Que aprendeu a voar.
Gotejam estrelas do olhar
Doce, igual já mais se viu
Sereno meu peito se despiu
Pra desnudo se revelar
Assim fico a sonhar
Banhado de neblinas mil
Caídas num mês de abril
Pra refrescar meu viver
Cálido de tanto prazer
Num céu eterno de anil.
O sol me parece gentil
Soltando por riba da serra
A chuva é amiga da terra
Mesmo no sertão hostil
Serei o seu filho servil
Devoto de sua grandeza
Lançando-me contra a dureza
De seus campos ressequidos
Pra jamais ser esquecidos
Os meus frutos sobre a mesa.
Se de um ser, a natureza
É aquilo que lhe define
Não peço que raciocine
Mas que tenhas a fineza
De aceitar a candideza
Do veiculo carnal
Sempre sujeito ao astral
Por sua vil formação
Preso nesta condição
Serei substancial.
Serei o essencial
Para a manifestação
Da significação
De um cetro natural
Um veículo terreal
Que suporte o abstrato
Ocupando sem contrato
Pra num ato ser deposto
Quando este ser, composto
Não mais lhe ser substrato.
Já que nasci sem contrato
Não viverei obrigado
Não sou certo nem errado
E por mais que me refrato
Não concebo o abstrato
Então vivo meu momento
Existindo a contento
Buscando aproveitar
Tudo que posso gozar
Até o falecimento.
Não quero aborrecimento
O futuro não existe
O passado não resiste
Nem me trás contentamento
No presente, reinvento
Nova forma de externar
Eterna enquanto durar
Toda a minha emoção
Vôo nessa sensação
Sem ter pressa de pousar.
Vejo a vida brotar
Das entranhas da mãe terra
Do meu âmago desterra
Um sentimento vulgar
Desejo de alcançar
O saber absoluto
Mas sendo eu dissoluto
Como vapor passageiro
Sou um broto do canteiro
Que se cobrira de luto.
Não perco mais um minuto
Tentando compreender
Se o ser ingênuo é bruto
Assim devo proceder
Já não me importa saber
Quais foram às primícias
Quero é provar as delicias
Gotejando dos pomares
Exalando pelos ares
O perfume das patrícias.
Perco-me em tuas caricias
Ébrio de amores sem fim
Passeando em teu jardim
Desdenhando das milícias
Desperto tuas malicias
Refugiando-me da dor
Aqueço-me em teu calor
Reascendo-me num instante
Transfigura-me o semblante
Na cor púrpura do amor.
Sou eu, teu desbravador
Aquele que te descobre
Nua, crua, cor de cobre
Nos braços do sedutor
E se me chamas de senhor
Não percebe o servo teu
O teu desejo é meu
O meu prazer eu lhe dou
Ávido como já estou
No fogo que se acendeu.
O nosso amor se verteu
Numa noite de luar
Onde um grilo a cricrilar
Em tiranas padeceu
Nosso êxtase varreu
Miríade incandescente
Choveu estrela cadente
Quais lágrimas do luar
Que o sol veio enxugar
Numa manhã florescente.
Tua boca, de tão quente
Marcaram o meu pescoço
Agarrando-me o dorso
Entregou-se loucamente
O meu coração pungente
Arfava na serração
Qual larva de um vulcão
Meu gozo então rompeu
Seu ventre estremeceu
No ápice do tesão.
Desfaleceste, então
Num sussurro suspiraste
Bendizendo o seu amante
Provocando a criação
Enchendo de excitação
Toda fauna e toda flora
Um sapinho, nessa hora
Acochou sua companheira
Logo a floresta inteira
Arfante se fez canora.
o teu corpo nessa hora
Transpirando de calor
Exalava o odor
De um sexo que evapora
Ao pouco a luz da aurora
Denunciou nosso crime
Mas a lua nos redime
Fazendo o dia calar
Em um eclipse solar
Onde seu fogo deprime.
Toda magia se imprime
Nessa cena tão romântica
Consolidando a semântica
Numa esteira de vime
O meu peito se exime
Da duvida é do medo
De revelar meu segredo
A uma deusa carnal
Numa área nupcial
Consolidei nosso enredo.
Ouvindo o passaredo
Num coro transcendental
Louvando a luz matinal
Nas copas do arvoredo
Assim eu lhe emparedo
Pintando uma obra prima
Enquanto teu olhar lagrima
Deslumbrado frente à tela
Retratando a transa bela
Que nossa união sublima.
Não há verso que exprima
A beleza dessa dança
Onde o corpo se lança
Faminto de baixo a cima
Não há palavra que rima
Nem que possa exprimir
O que nos faz exaurir
No néctar do desejo
A essência deste ensejo
Que nos faz evoluir.
Seleto neste existir
Eu volto a te procurar
Desejo me embriagar
Do mosto que faz fluir
O sumo do elixir
Que Deus não pode sorver
A substancia do teu ser
É algo que me completa
Tu és a forma repleta
Que trasborda meu prazer.
Cansado de tanto verter
Se contrai meu abdome
Percebo chegar a fome
Procuro me abastecer
Pra de novo me perder
E nessa contemplação
A massa que faz o pão
Esconde outro mistério
Substancia e alexetério
Que mata a fome do cão.
Depois de morto o grão
É no solo sepultado
Onde ele é despertado
Voltando a ressurreição
Dar-se à germinação
Reanima a semente
Que de modo comovente
De novo é fecundada
Recomeça a jornada
De outra forma vivente.
A chuva cai levemente
Sobre a terra ressequida
A semente adormecida
Sorve a água corrente
Se levanta o sol ardente
Pra dar a fermentação
Seu calor tem a função
De aquecer nova vida
A terra dando guarida
Garante sua gestação.
Rebenta o broto no chão
Muito frágil e delicado
O sereno é acionado
Com o orvalho do verão
O sol bravo da estação
Banha o novo rebento
Que se refresca com o vento
Sem ter pressa de crescer
Até um dia ele ser
Um arbusto a contento.
Se não for pra suprimento
Seu fruto não vai perder
Dele pode se fazer
Remédio e condimento
Basta ter discernimento
Para extrair o seu sumo
Fazer algo pra consumo
Daquele que necessita
É uma coisa esquisita
Mas isto é só um resumo.
As folhas sendo de fumo
Vira remédio caseiro
Recheio para o roceiro
Por na palha do consumo
Ou então vira estrumo
Para adubar a lavoura
A seiva desentesoura
Novas ervas e pomar
De esteio servirá
O pau pra fazer vassoura.
Dá pau para manjedoura
Ou dá esteio pra lenha
Seja a missão que tenha
Pra berço, pra varredoura
Ou pra toco que se agoura
Sempre tem utilidade
Quer no campo ou na cidade
É mantimento pro prato
Ou suprimento no mato
Basta criatividade.
Sendo sua faculdade
Própria pra alimentação
Se for trigo dá pra pão
Com muita facilidade
Basta ter habilidade
Pra fazer um banquete
De frutos e ramalhete
Com as flores pra enfeitar
A mesa para o jantar
Com um pouco de macete.
Dá pra fazer um cacete
Com o que brota do grão
Pau de cerca ou mourão
Até mesmo um palacete
Fazer banco, tamborete
Canoa, barco e navio
Bodoque para vadio
Colher e até gamela
Tamanco pra passarela
Cama pra colchão macio.
E pensar que esse fio
Começou de um caroço
De azeitona no almoço
Que me ascendeu o pavio
Sendo o homem sadio
Come tudo que poder
Saboreia como quer
O fruto que sai da terra
Quem planta no chão não erra
Vai colher o que ela der.
Depois de muito comer
Paro, pra fazer a sesta
O pensamento manifesta
E até o sono bater
Eu vejo o rio correr
E fico assim, divagando
Com os meus botões pensando:
“Porque que a vida é assim?!
Qual há de ser o seu fim??”
E assim vou me entregando.
Ávida vai me levando
Como um rio leva ao mar
Ela está em todo lugar
E no tempo vai rolando
Agora está ocupando
Este corpo racional
Mas está num animal
Que a degusta na planta
Onipresente ele encanta
Todos corpos do astral.
A vida é atemporal
Ela sempre segue em frente
Morrem os corpos viventes
Tendo inicio e final
Todo ser vivo é mortal
Está sujeito ao tempo
A vida em seu contratempo
Triunfará sobre o ser
Continuando a verter
Sem conhecer antetempo.
Ela está a destempo
E se mostra imutável
O ser, que é variável
Pra vida é um passatempo
Ela não conhece o tempo
De natureza imutável
A vida é sempre estável
O ser vivo é que perece
Sua estrutura padece
Dentro do tempo indomável.
Tudo isso é louvável
Pois a vida é uma só
Tudo que nasce do pó
É produto variável
Eu tento ser razoável
Vejo a biodiversidade
Mas no fundo de verdade
Somos seres diferentes
De uma vida, dependentes
Nisso ela mostra unidade.
Mostra impessoalidade
Abita o ser racional
Opera num vegetal
Não tem personalidade
Pensar é uma faculdade
Do ser que tem consciência
A vida, por excelência
Não sabe nem que existe
Apenas no que é persiste
Mecânica, sem exigência.
Ela não tem preferência
Não distingui bem do mal
Abita sempre total
O corpo em deficiência
Abita sem consciência
Sem fazer acepção
Um herói ou um ladrão
Gozam da mesma existência
Ela não tem preferência
Age sem acepção.
Se revela uma benção
Para todo ser vivente
E quem for inteligente
Desfruta com gratidão
Mas é uma maldição
Para o ser inconseqüente
Que anda incoerente
Semeando tempestade
Pra colher calamidade
Envergonhando a semente.
Falando abertamente
A vida pode ser bela
Dando sentido pra ela
Ela fica reluzente
Se mostra correspondente
Mesmo sem ter ciência
Emana benevolência
Conspirando a favor
Recompensando o labor
Em tudo tem coerência.
E bate a sonolência
Isso é coisa da vida
Cicatrizando a ferida
Nessa sua paciência
Eu sigo na preferência
Amando cada instante
Respeitando o semelhante
Como o meu complemento
Compartilhando o momento
Nesse palco radiante.
Depois de uma boa soneca
É hora de voltar pra lida
Os vivos cuidam da vida
Correndo atrás da merreca
Tem gente que até peca
Pois aos vivos tudo falta
E se for botar em pauta
Aos mortos tudo sobra
É necessário manobra
Pra bolsa ficar em alta.
O sol à tarde se exalta
E tosta a minha moleira
Ainda com uma lombeira
Minha mente é peralta
Eu sigo junto na malta
Cumprindo obrigação
No conselho, com o irmão
Vou campeando o gado
Junto à cerca do serrado
Que protege a criação.
Aboiando na função
Arrebanho, junto a tropa
Enquanto o sol galopa
Morno na imensidão
Faz-se um arrebol, então
Com andorinhas rasantes
E os passarinhos cantantes
Nas copas dos buritis
Tamanduás e quatis
Se destocam radiantes.
Na estrada os viajantes
Apeiam de seus cavalos
Gravetos fazem estalos
Nas roseiras flamejantes
São fogueiras radiantes
Onde a tropa se junta
E o mais velho assunta
Os anseios da família
Um menino faz quizília
Numa moda adjunja.
A neblina logo unta
A aba do meu chapéu
Estrelas dançam no céu
Sereno cai e besunta
A namorada pergunta
Se ainda é amada
O noivo foi pra jornada
E tarda em retornar
Enquanto ela a suspirar
Na janela apaixonada.
Em uma casa esquentada
Uma quenga bebe e dança
Desdita e sem esperança
Se entrega enfadada
A uma velha cantada
Expressa numa moeda
Sua moral se degreda
Vai o seu corpo vendido
Pra saciar um bandido
Que no leito a empareda.
Em sua entranha leveda
O sêmen que lhe traz nojo
Jamais verá o amojo
Amarga se embebeda
Sua vida é uma queda
Num poço frio e fundo
Sofre o rigor do mundo
Tentando se disfarçar
De rainha do lugar
Nos braços de um imundo.
O meu pensamento fecundo
Vagueia sem direção
E para na estação
Oscilante num segundo
Vejo um velho moribundo
Prestes a desfalecer
O padre já foi lhe ver
E cumprir obrigação
Concedeu extrema unção
Não há mais nada a fazer.
Contemplo o seu padecer
De ante da parentela
Uma fresta na janela
Lhe faz estremecer
O minguante a mover
Lentamente e tenebroso
Pois seu fim é desastroso
E ele tenta se acalmar
Vendo o genro desejar
Seu tesouro precioso.
O homem inescrupuloso
Sai à noite a procura
De levar a sepultura
O corpo de um esposo
Um jovem esperançoso
A de tombar na calada
Morto pela mão armada
De um maldito ladrão
Por causa da ambição
Outra viúva é deixada.
Cai o corpo na calçada
A maquina já não funciona
Não sente não se emociona
Não pensa e não diz nada
A alma está acabada
A matéria se apronta
E aos pouco se desmonta
Até vira puro sumo
Servindo então de insumo
Para se somar na ponta.
Um novo corpo se monta
No ventre de sua viúva
O ser novo se enluva
Outro corpo se confronta
Com o mistério que desponta
Incubado na entranha
É a vida que sempre ganha
Triunfando sobre o ser
Que um dia vai morrer
Viver é sua façanha.
A existência é estranha
Parece não ter sentido
O homem fica perdido
No senso que lhe apanha
A idéia se emaranha
É difícil definir
Mais fácil é se iludir
Com uma fé sem razão
É tanta complicação
Que não dá pra concluir.
A mulher se põe a parir
O seu filho desejado
Com dores por todo lado
E o ventre a contrair
Com anciã de exprimir
Geme a vida do ser
A criança vai nascer
Na noite de sexta feira
Nas mãos de uma parteira
Que sorri ao receber.
Um menino, sem saber
Brota lindo na videira
Sua sorte é perdedeira
Mas não pode compreender
É perfeito o seu ser
A ápice da criação
É dotado de razão
É pode raciocinar
Poderá se contemplar
E conhecer o irmão.
Dentre toda produção
É a expressão maior
Saberá dizer de cor
Toda sua emoção
Vivenciará então
Uma consciência plena
Está será sua pena
Perceber a existência
E entender com resistência
Que sua vida é pequena.
Perante o mundo encena
Um monologo teatral
Desde o dia do natal
Até a ultima cena
Durante a vida terrena
Tentará se distrair
Do que não pode fugir
De um destino cruel
Que amarga, feito fel
Na hora de despedir.
Ele tenta se iludir
Crendo na religião
Professa sua fé então
Procura se redimir
Da culpa de um existir
Que não sabe explicar
Ele quer se libertar
E viver eternamente
Se apegando loucamente
Procurando se salvar.
Não há como se safar
De um principio natural
Pois o ser atemporal
Tem no tempo o seu lugar
Não há como escapar
Conformar é o que lhe resta
O tempo é dono da festa
Ele é maior do que nós
Há de calar nossa voz
Nossos dias ele empresta.
Tem gente franzindo a testa
Não aceita a condição
Um já fez pauta com o cão
Beijando o que mais detesta
Vendo a avó pela fresta
O verme clama por Deus
Confessa os pecados seus
Com medo da sepultura
E de topar com a figura
Criada pelos judeus.
Outros dizem serem ateus
Procurando aniquilar
O que não podem alcançar
São só vermes, pigmeus
Tem quem se diz semideus
Tentando com persistência
Aprofundar na ciência
Clonando seres viventes
Iludindo seus parentes
Com sua incompetência.
Manipular a essência
Não é o mesmo que criar
A vida faz habitar
Corpos com deficiência
Ela não tem preferência
Isso é a lei da matéria
Não brinco com coisa séria
Não professo ateísmo
E também não pago dizimo
Mas não vivo na miséria.
Existe uma veia artéria
Um caminho a percorrer
E eu busco absorver
A energia da matéria
Sou uma simples bactéria
Com um notório poder
Eu consigo perceber
Que no mundo eu existo
E consigo ser bem quisto
Neste meu curto viver.
Através do nosso ser
A vida se movimenta
E de forma pachorrenta
Consegue se conhecer
Escute o que vou dizer
Eu conversando contigo
Você falando comigo
Somos uma avenida
Por onde uma só vida
Vai interagindo consigo.
Entenda isso amigo
A vida é uma só
Cada um de nós é um nó
De uma corda que bendigo
Em nós ela tem abrigo
Somos co-participantes
E por isso semelhantes
De uma mesma natureza
Onde se mostra a grandeza
Expressa em vários semblantes.
Somos como diamantes
Que o tempo vem lapidando
Nossos dias vão passando
Sob jugos tolerantes
Precisamos ser amantes
Da essência do existir
E deixar de agredir
O igual nesse caminho
Vamos tratar com carinho
E aprender discernir.
É possível coexistir
Dentro de um só canal
Água com doce e sal
Você pode decidir
Como há de prosseguir
Se o planeta amando
Ou o mundo odiando
Sendo amante do bem
Agirá como convém
E estará se resguardando.
Mas você pode também
Ser praticante do mal
E achar que é normal
Não ter respeito a ninguém
Até viver muito bem
Melhor que o homem bom
Mas eu não modero o tom
Para dizer que estás errado
Seu nome será manchado
Por má fama e não batom.
Da natureza o dom
De amar é coisa bela
Nossa vida é uma tela
Cheia de sabor e som
Temos nas mãos o guidom
Pra escolher a direção
Eu contemplo um clarão
O meu destino é incerto
Mas não quero passar perto
Do vale da escuridão.
E nesta contemplação
Agarro minha companheira
Vamos juntos a gafieira
Pra dançarmos um baião
Louvarmos a tradição
Depois votarmos ao lar
E unidos num abraçar
Fecundarmos outra vida
Uma criança querida
Que vai nos eternizar.
O mundo não vai parar
Se acaso eu morrer
Mas saudade há de ter
Quem neste mundo ficar
Pois eu vim pra exumar
No seio da geração
Um fiapo de paixão
Que uso para tecer
Nas agulhas do prazer
A minha nova canção.
Sei que a inspiração
É um dom da natureza
Existir é uma beleza
E nos traz satisfação
Bendito é o coração
Que no peito é pungente
Arfando alegremente
Satisfeito com a vida
Mesmo que arde a ferida
Sempre é bom estar presente.
Se meu corpo de repente
Se desmontar neste chão
Morto será qual um grão
Fecundo feito à semente
Ainda estarei presente
Na fôrma da esperança
E repleto nessa dança
Viverei ardentemente
Mesmo no corpo ausente
Existirei na lembrança.
Sei que já não sou criança
Mas não sou tão velho assim
Ainda espero de mim
Algo que só a fé alcança
Sigo nessa minha andança
Contemplando o semelhante
Desfigura meu semblante
Quando percebo a maldade
Que aprisiona a humanidade
Numa cela horripilante.
Busco achar um diamante
Algo que possa unir
E permita repartir
O melhor de cada estante
Vou seguindo adiante
Respeitando o estradar
Pois é preciso avançar
No caminho do amor
Ainda que cause dor
Devemos nos esforçar
Coisa linda é o lar
Sendo o esteio da família
É um porto, não uma ilha
Um reduto secular
É ela que faz girar
A dita saciedade
Eu falo, pois é verdade
A família é um elo
De um laço muito belo
Que envolve a humanidade.
O pai, a mãe e o filho
A base da construção
Que garante a evolução
Do refrão ao estribilho
Este cordão tem um brilho
No filho faz se fundir
Continuando a existir
Parte da mãe e do pai
Dessa forma a vida vai
O seu caminho seguir.
De todo ser que fluir
A vida em eminência
Só há de ter consciência
O fruto que a mãe parir
Precisamos garantir
Uma boa educação
Instruindo com atenção
Falando sempre a verdade
Pois a curiosidade
É um bem da criação.
Uma boa formação
De um caráter lustroso
É algo mui gracioso
Que requer dedicação
Responder a indagação
E os porquês de um menino
É um ato paladino
Feito com muito cuidado
Pra não instruir errado
E confundir o bambino.
Estimule o raciocino
Deixe a criança pensar
Espere ela te indagar
Não queira ser um rabino
Badalando feito sino
As respostas que quer dar
Antes dela perguntar
Não convém lhe responder
Há o tempo de fazer
E o tempo de esperar.
Ela há de questionar
No momento mais propicio
Quando a vida teve inicio
E é difícil de explicar
Não convém lhe afirmar
Que foi assim ou assado
Nada ainda está provado
É preciso ser prudente
Respondendo simplesmente:
O negócio é complicado.
Não é pra deixar de lado
Como quem foge do assunto
O melhor é pensar junto
Que o caso é delicado
Afirmar que foi criado
Pelo pai celestial
Pode parecer legal
Mas no fundo isso tudo
É pensar que o absurdo
Pode soar natural.
A vida é transcendental
Não pode ser alcançada
Se tudo saiu do nada
Afirmar é ilegal
Não há um ponto final
Portanto sempre direi
De pronto responderei
Se acaso quiser saber
O que eu tenho a lhe dizer
É simplesmente: não sei.
Confesso que já estudei
Mas não posso concluir
É difícil atingir
O que em vão perscrutei
Muitas vezes já errei
Por ser cheio de vaidade
Hoje, à bem da verdade
Aceito minha condição
E aproveito a estação
Dessa tal realidade.
Um dia a humanidade
Terá o conhecimento
Ou talvez discernimento
Um pouco de claridade
Digo com propriedade
Não sei porquê e nem como
Só sei que eu sou um gomo
Pois eu existo de fato
Sou da existência nato
Parte daquilo que eu somo.
Perguntou, eu não embromo
Quis saber, eu respondi
Me negou, eu não pedi
Amarrotou, desengomo
Se não me der, eu não tomo
Se não sei, eu não invento
Se tem cadeira, eu sento
Se não tem, eu fico em pé
Eu não desdenho da fé
Mas procuro o fundamento.
Vivo bem o meu momento
Aproveitando o mundo
Uns me chamam vagabundo
Outros notam o meu talento
Pra me dar contentamento
Tudo que quero me vem
A vida é um grande bem
Pensar é uma faculdade
Respeitar é humildade
Só agride quem não tem.
Agindo como convém
O pai dará bom exemplo
O seu lar será um templo
Seu filho será alguém
Querido por ser do bem
Cheio de graça e ternura
Bendita é a sepultura
Do justo e verdadeiro
Feliz é o brasileiro
Que estampa essa figura.
Se o vivo quer soltura
Louvemos a liberdade
Obremos com caridade
Emprestemos sem usura
Creio que ninguém atura
Tantos jugos desiguais
Se na lei somos iguais
Busquemos então cumprir
Deixemos, pois de bulir
Nos direitos dos rivais.
Os melhores cabedais
Não se compram com o dinheiro
A vida de um passageiro
É valiosa de mais
Os nossos bens naturais
Como o ar que respiramos
Seu valor não calculamos
Pois é um bem natural
Feito a água mineral
Que sem ver desperdiçamos.
Se ainda desprezamos
Uma moita de capim
Excluindo-a do jardim
Dela muito precisamos
Temos que cuidar dos ramos
Da fauna e toda flora
No tempo que é agora
Pra mais tarde não sofrer
O filho que vamos ter
Quando chegar sua hora.
O sábio não ignora
Que todo ser é finito
E eu sempre tenho dito
Por esta estrada a fora
Quem seu semelhante explora
Como fosse um parasita
A natureza irrita
E no tempo vem cobrar
Quem tudo quer ajuntar
Tem uma sorte desdita.
Coisa gostosa e bonita
É a solidariedade
Junto com a cumplicidade
Vira uma obra bendita
Mas a ganância maldita
Tem ferido muita gente
O povo anda descrente
De um futuro melhor
O trem vai ficar pior
Só não vê o presidente.
O homem inteligente
Sabe discernir o tempo
Perceber o contratempo
Do mal que vem pela frente
A natureza cadente
Geme e chora em seu lugar
Onde é que vamos parar
Com tanta má criação
Ferindo o próprio irmão
Pouco se pode esperar.
O planeta vai parar
Por falta de atenção
Sinto envelhecer o chão
Vejo o fruto falhar
Nova doença chegar
É crescente a violência
Sinto a impaciência
O ódio é a aflição
Cresce a indignação
Só o que vinga é a demência.
A falta de consciência
Governa o ambicioso
Que se sente majestoso
Obrando com imprudência
O mundo em decadência
Não percebe o seu fim
Em toda parte Caim
Se revela noutra face
Já não se usa disfarce
Quem vem pra roubar de mim.
Vou cantando mesmo assim
Minhas cantigas serenas
Faço novas cantilenas
Pra adornar o meu jardim
Ao justo eu digo sim
Ao ímpio eu digo nào
Ao pobre eu dou a mão
O rico peço um favor
Vê se escute o clamor
E ajude o seu irmão.
Juntos num só coração
Podemos chegar além
Falo pro seu próprio bem
Seja valente no amor
Mesmo que sofra a dor
De uma rejeição brutal
Saiba que é natural
Não ser por todos amado
Cristo já foi desprezado
Lá no seu torrão natal.
Despreze sempre o mal
Não ande no seu caminho
Seja flor, nunca um espinho
Jamais queira ser o tal
Pois isso não é legal
O bom é deixar saudade
Cultivar a humildade
Cumprir bem a obrigação
Promover a união
Buscando a fraternidade.