SOU O QUE SOU
SOU O QUE SOU!!
Nascido lá na roça
Pelas mãos habilidosas da parteira,
Naquele ranchinho singelo
Logo depois da velha porteira!
Desde pequeno trabalhei
Ajudando a cuidar da roça,
Trabalhava na enxada
E cuidava do pangaré de carroça!
“gosto de briga não seu moço”!
Sô um simples trabaiadô,
Nem espingarda carrego
A pedido do Seu dotô!!
Sô amigo dos bicho do mato
Pros passarinho carrego trato,
Pra todo lugar que vo!!
Ajudei fazer carro- de- boi
Os boi ajudei amansá,
Montei cavalo brabo
Os resurtado num vo contá!!
Foi tanto tombo e desventura
Foi Sol, chuva na madrugada,
Nesse caminho de amargura
Quanta fumaça de lenha mal queimada!
Hoje já to veinho
Mão de calo e cabelo branco,
Perna bamba, cacunda duída
Montado no cavalinho manco!
Daquele tempo da roça
Muita saudade vai no peito,
Na minha humilde palhoça
Eu vivia do meu jeito!!
Gostava de contar prosa
Sentado no toco do pilão,
Onde mamãe descascava o arroz
Pra cozinhar pros pião!!
Tinha lá umas vaquinha
Que dava o leite do dia-a-dia,
A galinhada no terreiro
Fazendo sua cantoria!!
Tinha os porco no chiqueiro
Êta bichinho fedorento,
Papai mandava eu jogar trato
E me chamava de nojento!!
Puxei muito cabo de enxada
Mas disso, nunca gostei não,
Dava muita dor na cacunda
E muito calo na mão!
Levantá de madrugada
Eu achava dilurido,
Pra buscá boi na invernada
Pra fazê o carro dá gemido!
Eu gostava das festas
Daquelas de mutirão,
De casamento e aniversário
E das festas de São João!!
Nas festas de mutirão
A turma era animada,
Matava até vaca sô!!
E fazia macarronada!!
Doce e biscoito, nessa festa
É o que mais se ofertava,
Não falando na cachaça da boa
Que papai e mamãe arrumava!!
Isso era divertido
Eu gostava de verdade,
Rezava o terço e agradecia
A presença da comunidade!!
Mamãe cardava o algodão
Minhas irmãs peneirava o café,
Eu ia pra pescaria
No corregozinho xereré!!
Trabalhava no canavial
Levando cana pra moenda,
O caldo doce escorregando
Adoçando a merenda!!
A cana dava melado
Moça-branca e rapadura
Sobra no gamelão à vontade
Nunca vi tanta fartura!!
Nas festas de casamento
Que beleza!! Quanta fantasia!!
Olhava no rosto dos noivos
Só se via muita alegria!!
O povo, em comida se fartava
Era um banquete abundante,
Encontrava ricos e pobres
Todos com mesmo semblante!!
A despensa era cheia
Não se falava mal de comida,
Todos tinham o necessário
Pra ir levando a vida!!
Na capelinha estava
O padre sempre a rezar,
Chamando o povo de DEUS
Para os pecados pagar!!
Lá dentro o padre raiava
A turma obedecia,
O padre iniciava a reza
O povo entrava na cantoria!!
Quando alguém adoecia
Todos caiam na tristeza,
Por que o recurso era longe
A gente perdia a destreza!!
Hospital não existia
Só se fosse na capital,
A gente era esquecido
Perdido igual animal!!
Sem vontade de viver
Ali ficava o moribundo,
A espera de uma cura
Perdido naquele mundo!!
Nem sempre aparecia
O recurso desejado,
Se a cházeira não funcionasse
O doente estava ameaçado
Naquele tempo tinha mais reza
Era mais forte a devoção,
Ninguém acreditava na ciência
Era tudo contramão!!
Vindo pros tempos de agora
Notamos a grande diferença,
Os vizinhos não se conhecem
E tá no ar a marquerencia!!
Não tem mais festa de mutirão
Não tem mais casamento,
Não tem mais pagodão
Não tem mais divertimento!!
Na festa de São João
O vizinho não é mais convidado,
Porque logo aparece
Aquele povo folgado!!
Não existe mais casamento
Do jeito que se fazia,
Quem casava tinha pressa
O pai da noiva insistia!!
As moças daquele tempo
Eram damas recatadas,
O noivo nem se bulia
Na virgem moça sonhada!!
Casamento era coisa séria
O tempo de namoro era curto,
O casal quase não se via
A não ser de leve vulto!!
Desse caso que ti conto
Tenho exemplo na família,
De um casamento arranjado
Para uma das minhas tias!!
O moço passou na casa dela
De manhãzinha a tocar boiada,
A viu no ribeirão a lavar roupas
Nem cumprimentou a coitada!!
Pôs o cavalo a galope
Foi falar com o pai dela,
-quero casar com sua filha
O velho tremeu a barba amarela!!
O pai franziu a testa
Deu um coçado na nuca,
Entregou a filha ao moço
Deixou a coitada na sinuca!!
O pai foi que escolheu
Com quem a filha ia se casar,
O namoro nem aconteceu
Mandou direto pro altar!!
Quantas vezes em pranto
A moça era vista a chorar,
Por causa do casamento
Que não queria aceitar!!
Hoje é bem diferente
Namora sem se casar,
Se não deu certo separa
Vivendo um pra lá e outro pra cá!!
Tudo isso é o progresso
Diz um velho ditado,
Quem pensa não casa
Quem casa está enrolado!!
Estou vivendo nesse tempo
Muitas coisas agora entendo,
Em nome da modernidade
É que as coisas vão acontecendo!!
Naquele tempo eu trabalhava
Em troca de algum dinheiro,
Vivia só da rocinha
E dos animais do terreiro!!
Tinha lá no pasto verde
Cavalo, boi e vaca,
Plantava meu feijãozinho
Com minha velha matraca!!
Hoje está tudo diferente
O progresso deu um empurrão,
Ninguém mais anda a cavalo
Só de carro, moto e avião!!
As coisas mudaram muito
E para melhor, tenho certeza,
Hoje tem médicos nos hospitais
Para atender toda a pobreza!!
As coisas mudaram tanto
Sempre repito e falo,
Até os peões que levam bois
Não possuem mais cavalo!
Cuidar da roça era trabalhoso
Tudo era no peso da enxada,
A lavoura era só mataréu
E se começava de madrugada!!
Hoje está muito fácil
Não tem mato no terreno,
Quando a saroba nasce
Então bate nela o veneno!!
A lavoura está sempre limpa
Não há mato que agüenta,
Ao invés de arrumar pionada
Uma máquina faz por oitenta!!
Antigamente se tomava leite
Na caneca enferrujada,
Ninguém fazia idéia
De mal não acontecia nada!!
Pra quem vende leite na rua
Hoje a coisa está feia,
Qualquer coisa que acontece
O leiteiro vai pra cadeia!!
Trabalhei de bóia-fria
Levantando de madrugada,
Na carroceria do caminhão
Ia eu e a turma pra jornada!!
Hoje se fizer isso
Ti aviso compadre Zé,
Se a polícia nos pegar
Está todo mundo a pé!!
Toma nosso caminhão
Cobra multa e prende o motorista,
Pra sair dessa enrascada
É preciso ser artista!!!
Hoje vamos de ônibus
Fechadinho e bem macio,
Ninguém vai ao relento
Nem no vento nem no frio!!
Engraçado, naquele tempo!!
Dinheiro não existia,
Tudo era na base da troca
Que se comprava mercadoria!!
Hoje é só no dinheiro
Pra comprar o necessário,
Quem não tiver dinheiro
Está fora do páreo!!
Tudo está muito bom
Agradecemos o progresso,
Que trouxe modernidade
E que faz muito sucesso!!
Trouxe o carro e o telefone
Trouxe o navio e o avião,
A distância já não existe
Veja só que trem bão!!
Trouxe cura pras doenças
Daquelas que dava aflição,
Criou remédios para todos os males
Menos pra maldade do coração!!
Sou o que sou, isto sim
Agradeço tudo que tenho,
Sou feliz por tudo hoje
Por saber de onde venho!!