VIDA BESTA
Vida besta marvada, que me faiz tão infeliz.
Acorda cedo, trabaiá que nem burro e vortá prá casa dormi.
Tudo prá ajuntá e guardá dinheiro pra morde comprá o que se qué.
Quando comprá o que qué, já não é mais aquilo que a gente qué.
Intão, vorta a trabaiá de novo pra comprá o que de novo se qué.
Se tem um par de carça, farta camisa prá combiná.
Se tem uma bicicreta, qué uma moto.
Se tem uma moto, qué um carro prá não se moiá.
Eita. Tô arrependido mesmo de te vindo cá prá cidade.
Tanto falaram, que o besta aqui acreditô.
Tô vendo que o melhor mermo é vortá lá pro meu sertão.
Lá sim eu posso vivê. Lá, a gente não vive querendo nada.
Bicicreta, moto, carro, prá quê? Nois anda a pé ou a cavalo.
Camisa prá combiná? Carça prá rearça? Pra quê?
Nois tendo duas muda, tá loco de bão.
Oceis aqui vive doente e não sabe que doença tem.
Eu sei. Não sô dotô e nem percisa prá sabe.
Oceis, só tem uma doença: cobiça e ganância.
Coisa que lá no sertão nóis não conhece não.
E oceis ainda dão um nome bonito prá tar da doença.
Dizem que é depressão. Depressão...
Depressão que nada. Oceis que não sabem vivê.
Levantem de madrugada. Vortem prá casa à noitinha.
Achem os filhos dormindo. Não tenham tempo prá carinho.
Não tenham tempo prá ver passá a vida que oceis pensam vive.
É isso mermo. Oceis só querem cada vez tê mais.
Só que tão esquecendo que o dinheiro não compra tudo não.
Ele não compra sossego, amor, nem uma boa amizade.
Eita! Oceis são besta mesmo. Me digam:
De tudo isso, o que oceis vão levá? Nada. Não é?
Pois então, deixa de embromação.
Reconhece que nada disso pode trazê paz ao teu coração.