PENSAMENTEANDO 73 (Das Palavras)
O gesto de interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela incompletude, pela relação com o silêncio. A interpretação é o vestígio do possível
Eni P. Orlandi
Se há um fenômeno cujo “controle” é absolutamente imprescindível, esse fenômeno é a "PALAVRA". Digo que se trata de um "imperativo categórico".
O homem, a meu juízo, é um feixe de símbolos e linguagem. Destarte, é na "PALAVRA" que o SER se faz, se constrói. Com ela "ouvimos, percebemos, conhecemos, esperamos, imaginamos, calculamos, confiamos" e fazemos misérias.
No dizer de Guimarães Rosa, "toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada que vai rompendo rumo". De modo que devemos estar muito atentos ante os jogos de palavras. Afinal, até dizendo ela pode estar deixando de dizer.
Não há uma só palavra que não contenha certo mistério de silêncio. O real sentido pode estar bem distante daquilo que, num primeiro momento, ela possa sugerir. Veja o que diz Eni P. Orlandi: "quando dizemos que há silêncio nas palavras, estamos dizendo que: elas são atravessadas de silêncios; elas produzem silêncios; o silêncio fala por elas; elas silenciam". Assim, na produção de sentidos, o silêncio significante é uma realidade que exige de todos nós mergulhos seguros, conscientes e profundos à procura de seus gestos semânticos. Quanto de não-dito se vela no dito? Por exemplo, há um tipo de modéstia que é pura máscara, não vai além de artifício matreiro de auto-louvação.
Vivemos um tempo de manipulação da palavra. Isso se dá no aspecto cognitivo (no qual circulam raciocínios "não-fundados" ou distorcidos), como também na esfera dos próprios afetos (linguagem alicerçada na sedução, no erotismo ou na repetição a fim de que, à força, coisas inaceitáveis passem a ser tomadas como normais). Portanto, olho vivo, "não apliques o teu coração a todas as palavras que se dizem".