Sobre macacos e mentiras.

Eu prefiro a substância, a polpa, a alma, o peso e a densidade. Eu prefiro a noite e os gritos noturnos, silenciosos ou agitados, agudos ou graves, sejam de prazer ou de dor. Eu prefiro escutar estas canções, ver filmes em preto-e-branco, ler textos subversivos. Torcer pelo vilão, sem finais felizes. Sem demagogias.

Eu prefiro assassinatos públicos, selvagens e patéticos do que assassinatos velados, praticados aos poucos, dia a dia, trágicos. Eu prefiro o silencio de um homem que não tem nada para dizer do que discursos que nada me falam.

Prefiro a beleza real e imperfeita de uma rosa negra e abatida em vez da mais bela rosa perfeita de plástico. Eu prefiro o grito sincero ao sorriso camuflado e amarelo. A musica nostálgica e mórbida no lugar de sinfonias alegres e falsas que não querem dizer nada.

Prefiro os pobres, os vagabundos, os artistas, as putas e os ladrões, mendigos, e desordeiros do que criaturas fabricadas, moldadas para um circo, pessoas que não conseguem perseguir sua felicidade e que julgam sua própria mediocridade em outras pessoas avessas a sua cultura.

Prefiro tudo o que é podre e torpe no mundo. O nublado em vez de raios de sol. Prefiro desilusões. Vidas meteóricas. Cacos. Lixo. Raiva. Dor. Tristeza. Por que são nesses sentimentos, nessas atitudes que o homem consegue se libertar do antinatural, de suas próprias construções. Por que não conseguimos inventar regras para o marginal, podemos apenas ignorá-lo. Em nossa lente ofuscada podemos julga a vida dos que nãos estão presos a regras como suja, podre, perdida e sem sentido.

Mas quando o que queremos realmente é provar um pouco dessa liberdade suja? Quando ansiamos por ser mais sujos do que estes anjos caídos? Quando em nosso quarto solitário, apenas podemos fazer preces para aparecer aquela puta que nos faria felizes, aquele ladrão que nos assassinará e nos libertara, aquele bêbado louco que compartilha um pouco de sua pinga barata e discute sobre suas viagens mentais.

Quando o que queremos é silenciosamente provar um pouco dessa sujeira social, desses marginais, destes outros seres diferentes, contraditórios, loucos, para nos sentirmos sãos. Quem realmente é o ser que está à margem e quem está dentro do circulo? Quem realmente vive uma vida sem sentido?

Por isso, eu prefiro estar do lado sombrio da lua que não sorri para mim querendo me devorar.

Eu prefiro esse mundo, por que, o mundo normal, o mundo comum, esta cheio de cristãos, professores, bombeiros, policiais, políticos, advogados, médicos, mulheres, esposas, filhos, pessoas. Este mundo esta cheio de modelos virtuais sem identidade, sem individualidade. Pessoas que sustentam um exoesqueleto muito pesado para que elas sozinhas possam carregar. O esqueleto da respeitabilidade fabricada. A cidadania. A falsidade. Dentro de cada pessoa respeitável do mundo existe um selvagem escondido que é mais cruel, injusto e egoísta do que o próprio diabo conseguiria imaginar um dia ser.

Dentro de cada homem que apela para seu lado respeitável aos olhos do outros, que constrói um modelo e se utiliza dele para conseguir viver. Dentro de cada um desses homens que imaginam que vivem, há uma bomba relógio. Uma bomba que explode o mundo aos poucos. O medo da vontade de se suicidar que invade seus sonhos mais escondidos e faz com que pensem em suicídios globais. É mais fácil destruir o mundo inteiro do que a eles mesmo. É mais fácil minar qualquer tentativa de liberdade e de felicidade do que perseguir sua própria essência.

Eu prefiro esse mundo avesso dos marginais, por que não posso conviver com o mundo certo e comum de verdades escondidas e mentiras publicas. De sorrisos e felicidade camuflada e solidão no travesseiro. De casamentos perfeitos entre cadáveres. De bens públicos servindo para uso pessoal. De empregados enganando seus patrões para sustentar para acumular posses que não podem usufruir. De religiões que dizem pregar sobre o amor de um deus qualquer, mas que na verdade apenas dizem sobre medo e desamor, enaltecendo a imagem do inimigo imaginário e se fortalecendo através do medo dos ignorantes. Essas religiões não são templos para deus, podem ser templos disfarçados para seu antagonista maquiavélico e tão mais próximo da humanidade do que seu irmão. Essas igrejas que apenas são templos fúnebres, celebrando uma morte de mil anos, celebrando a estupidez e imoralidade camufladas contra a verdadeira natureza. De cidadãos respeitáveis que sonham um dia matar e destruir uma pessoa qualquer. De esposas lindas e felizes que não conseguem gozar com seus maridos, e de maridos que tem medo de perderem o respeito se pedirem para que suas esposas fizessem as perversidades escondidas em suas mentes. De homens e mulheres que colocam seus amados em pedestais, fazem deles deuses, apenas para conservá-los engaiolados e infelizes De pais que em nome do amor destroem o direito de seus filhos pensarem e exercerem seu direito de ser livres, direito de errar e acertar, de amadurecer, escolha. E de filhos que dizem que amam seus pais quando na verdade sentem ódio por eles. Este mundo de falsidades e aparências que aparece camuflado nas propagandas de comerciais da televisão.

Prefiro a podridão de um homem sincero do que a majestade de um rei inventado. Afinal de contas, qual dos dois pode ser mais humano e mais respeitoso para com esse mundo e a condição humana?

Nós vivemos em um jardim tão belo e raro. E, em nome de crenças, mentiras e conceitos inventados estamos destruindo a nossa verdadeira riqueza. Eu só posso, em silencio, reverenciar todos os homens que conseguiram enxergar e ficar a margem dessa loucura, por que estes considerados loucos são as únicas criaturas verdadeiramente divinas que ainda caminham nesse mundo insano, por que eles mantiveram um leve frescor da verdadeira natureza humana perdida, a mesma que nos coloca na complicada condição de sermos deuses e animais em potencial. E sobre o que tantos profetas e messias do passado tentaram, em vão, anunciar para estes macacos recém-despertos.

Aguardo seu comentário. Não apenas sobre como esse texto está escrito, isso também é muito importante e ajuda-me a sempre melhorar minhas letras. Mas, o que realmente me interessa é a relação entre o texto, como obra viva e independente, e você, leitor. A que ele o remete, como, por que? Essa é a beleza de um texto: um sentimento meu cristalizado, conecta-se a um sentimento seu e, assim, torna-se um sentimento universal.

Obrigado.