Papo de terapeuta

...Engraçado como para algumas pessoas ser bonito era algo totalmente natural. A Luíza, por exemplo. Ela não precisava de nada. Acordava linda, já. E sem remela no olho. Pele perfeita, lisinha. Não precisava nem pentear os cabelos. Colocava um chinelo, uma calça de moletom e uma camiseta velha e conquistaria o coração do Rodrigo assim, num estalo de dedos, só no “oi”. Mas eu não. Primeiro que meu nome não era tão bonito quanto o dela. Tinha vergonha de dizê-lo às vezes. Sei lá, parecia nome de velha. Segundo, que quando eu acordava parecia uma jaca. Sério, não ri não... Inchada, os olhos vermelhos, grudadinhos no cantinho. Eca. Aquele gosto estranho na boca. Só bebendo uma água mesmo pra passar. E meu cabelo? Não dava pra sair de casa sem pelo menos prender. O melhor mesmo seria lavar e secar, mas como nunca dava tempo, prendia. Daí apareciam as orelhas. Que não eram de abano, mas também não eram delicadinhas como as da Luíza. E de brinco, argh, parece que ficavam ainda maiores. Minha pele era mais oleosa, tinha mais espinhas. Minha mãe sempre falava que era normal da idade, mas eu não via nada de normal naquilo não. Uma vez tentei passar maquiagem por cima e me dei mal. Pessoal da sala me encheu até cansar. Lembro até hoje da cara da Paula, aquela magrela nojentinha, dizendo “Credo, Antônia, você ta rosa!” Argh... Não gosto nem de lembrar. Daí vinha a roupa. Achava que o uniforme me deixava mais gorda do que eu realmente era. Desfavorecia, mesmo. Tanto é que quem me encontrava fora da escola sempre percebia a diferença. Mas que fazer, né? Tinha que vestir aquela porcaria de uniforme. E tinha que ir naquela porcaria de aula, eu e minha cara de jaca. Muitas coisas poderiam ser melhores na escola. Pessoal podia ser mais gente boa, menos metido a besta. Os meninos podiam ser mais legais também, menos babacas. Até que alguns eram, sim. Mas eram tão feinhos, coitados. Que deviam ser legais pra compensar. Acho que eu mesma era assim, sabiam? Eu era legal pra compensar. Era boazinha com todo mundo porque sabia que as pessoas não iriam gostar de mim só pela minha aparência. E o pior sabe o que é? Acho que eu continuo assim... “

Sabe de uma coisa? – disse a terapeuta, depois desse monólogo desabafo – Acho que você tem umas pendências a resolver com o seu passado. Mesmo. Já se passaram quase 15 anos e você ainda se enxerga da mesma forma.

E falou. Falou sobre como a nossa visão das coisas pode ser distorcida. Como eu poderia me julgar baseada na opinião de pessoas que eu mesma considerava fúteis, pequenas de espírito, “babacas” mesmo? E eu me julgava. E trazia esse julgamento até hoje. Achava que as pessoas não poderiam gostar de mim de cara, pela minha aparência. Que as pessoas só gostariam de mim se eu fosse “boazinha” com elas. Se eu fosse bonita, impecável, como a Luíza. Achava que as pessoas riam de mim. Na verdade, eles riam porque eram babacas, porque eram imaturos, porque adolescentes fazem isso uns com os outros. Não necessariamente o problema era meu. Mas eu passei a encarar como um problema meu. E encaro até hoje. Preciso fugir disso, desse julgamento péssimo que eu tenho costume de fazer comigo mesmo. Mas como?