Vista a fantasia

"...E se, de repente

A gente não sentisse

A dor que a gente finge

E sente

Se, de repente

A gente distraísse

O ferro do suplício

Ao som de uma canção

Então, eu te convidaria

Pra uma fantasia

Do meu violão..."

(Chico Buarque - Fantasia)

Era dolorido, sim. Ver que as coisas não haviam se encaminhado como ela imaginava que devessem caminhar. Ver que ela não era a mulher perfeita, com a vida perfeita, exemplo pleno para todos os outros mortais.

Ela tinha falhas, e eram tantas, tantas. Era ingênua e egoísta na maior parte do tempo. Exigia demais dos outros, exigia demais de si mesma. Não agia tanto quando deveria, não colocava a mão na massa como poderia. E questionava, e duvidava. E teimava. Como teimava.

Mas às vezes ela percebia que tudo era uma grande questão de ponto de vista. Que as coisas se encaminhavam bem, sim, embora não seguissem o padrão família feliz padrão comercial de margarina. Que ser perfeito era coisa muito chata e irreal. E ser exemplo, então, era o primeiro passo para afundar na lama.

Suas falhas eram muitas, sim, mas nem sempre grandiosas, destruidoras. Ingenuidade poderia até ser uma qualidade. E ser egoísta poderia até ser importante às vezes. Questão de sobrevivência. A falta de ação existia, mas porque suas atitudes eram sempre ponderadas. E quando agia, sai de baixo, que era pra arrasar. Sempre!

Se não fosse questionadora e teimosa, perderia parte de sua personalidade e de sua graça. Então tava lá. Como tudo era somente questão de analisar os fatos de outra ótica. De parar de sentir tanta dor onde pode haver poesia e risadas. Vestir a fantasia e sorrir, ao som de uma melodia dedilhada no violão. A vida é tão boa, tão boa...