Zé ninguém
Todo dia acorda cedo, veste o que lhe dá na telha e sai. Sai sem fazer desjejum, sem pentear os cabelos, sem lavar o rosto e até sem escovar os dentes. Aliás, escovar os dentes acha inútil, não vai sorrir pra ninguém e não quer manter as aparências.
Caminha devagar pelas esquinas sempre atento ao que acontece, esbarra nos outros de propósito e se possível inicia uma discussão. Essa foi a forma que encontrou de ter algum contato, porque mesmo andando em meio a multidão se sente muito só.
Mas na rua é preciso cuidado. As pessoas com seus olhares sanguinários, são como feras que ao menor sinal de perigo atacam sem exitar. Zé ninguém tem muito medo.
Evita encostar em tudo, pois em tudo está o verme cruel e fétido da ganância humana. Contaminar-se com isso seria o fim.
Já cansado volta pra casa, senta em frente a sua televisão e se deixa alienar por longas horas.
Visitas? Não sabe nem o que isso quer dizer. O telefone nunca toca, nem sequer por engano. Na verdade nunca foi de ter amigos e os poucos que tem o ignoram por se tratar de péssima companhia.
Raramente vai a festas, reuniões, confraternizações e coisas do gênero. Churrascos? Nem pensar. É um vegetariano nato e não suporta a idéia de que animais são mortos a todo momento pra saciar a insáciavel fome humana. Aliás essa é uma de suas poucas virtudes.
Escreveu até um documentário entitulado “hipócritas carnívoros”, onde aborda a hipocrisia dos homens que se dizem defensores dos bichos e não conseguem viver sem um belo “bifinho” no prato. Trata também a forma horrível e violenta com que esses animais são mortos em abatedouros e frigoríficos.
E assim zé ninguém vai levando a vida, até o dia que a morte lhe beijar e selar com chave de ouro o fim de uma existência inútil.