O QUE PODE SER APENAS SENTIDO
"A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente" (Soren Kierkergaard).
"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se" (Soren Kierkegaard).
Sabe-se muito bem que sentir, muitas das vezes, é aquilo que realmente importa. Sentir é viver, é participar, é interagir com o universo e também consigo mesmo. Sentir, mesmo que seja dor é vivenciar a experiência da vida em um sentido único e sublime. Quando sentimos, sabemos que estamos vivos, posto que apenas conhecer (no sentido de apenas saber que existe) não possui qualquer significado ante a possibilidade de sentir algo que se conhece com a profundidade necessária que nos faz mais humanos, mais profusos em nossos pensamentos. Sentir é, enfim, a única experiência que o homem leva para o infinito de sua existência, mesmo que ele seja finito. Gostar de algo ou de alguém nos diferencia de todos os outros seres vivos existentes neste planeta; nos torna mais que simples mecanismos biológicos treinados por milênios para nascer, crescer, reproduzir e depois, morrer. Aliás, morrer não deixa de ser a grande experiência pela qual todos devemos passar.
Pensemos da seguinte forma: sendo homens desejamos uma mulher não apenas pelo seu belo corpo, suas belas formas, sua capacidade de interagir conosco de forma a atingirmos um orgasmo espetacular, ou seja, uma relação apenas biológica. Não. Não se trata apenas dessa experiência, ela é, sim, parte de algo maior: a interação de corpos e almas, um momento tão sublime e singelo que nunca mais se repetirá, até mesmo porque a repetição será algo mais sublime ainda. Trata-se de ter nas mãos o corpo e também a alma da mulher desejada. Seu corpo como forma de expansão de nossos sentidos, buscando eternizar alguma coisa que não pode passar de um átimo de tempo tão pequeno, mas ao mesmo tempo tão maravilhosamente dotado de profundidade e de realização: um complementa o outro, um faz do outro parte de seu ser. Isto é a experiência que ficará para sempre não apenas na mente, mas estará inexoravelmente impregnado na alma de ambos, passando da noite de sexo perfeito, de carícias profusas, de beijos quentes e molhados, de sentidos aguçados, de comprometimento sexual, para uma profusão de sensações, de sabores, de gostos, de ruídos, de imagens que nunca mais, acreditem, nunca mais será extraído de cada um.
Por um momento pensemos como a mulher: ela quer ser desejada, ser amada, ser completada por um outro ser, sem ser vista como um mero objeto de satisfação carnal, algo para diversão alheia. O que a mulher anseia, além de paixão na cama é um envolvimento, uma intimidade uma cumplicidade de corpos e de almas que se torne a experiência eterna para ela e também para ele. A mulher pensa em uma relação, não em um caso, uma aventura, pois a aventura não condiz com a sua natureza, a natureza de quem nasceu para amar e ser amada. Assim que concebe alguém bonito e atraente ela passa a considerar as possibilidades que vão além de uma noite de amor.
Aos que nos parece homem e mulher diferem, essencialmente, na alma, não apenas no comportamento biológico. É a alma que os torna únicos, especiais, capazes de absorver todo o universo em si mesmos, e, quase que simultaneamente, parecer serem um universo em seus interiores. Quando a aventura acaba, quando o deseja desvanece, o homem simplesmente parte para outra aventura, outro desejo que possa alimentá-lo ainda que de forma passageira, fútil e desdenhosa. Já a mulher precisa de algo que alimente seu espírito, que lhe dê satisfação em todos os sentidos: corpo, alma e coração. Carece de apoio, de braços fortes que a abracem, de beijos que demonstrem algo mais que desejo, e carícias que não queiram apenas chegar ao grande final. Ela almeja que seu parceiro a complemente, a torne mais que um ser, mas um ser completo, digno de sua própria existência, pois dignidade para a mulher também quer significar realização.
Quando ambos encontram-se para uma noite de amor, eles fazem amor, não fazem apenas sexo, já que assim, o prazer será a melhor das conseqüências. Corpos entregues apenas à doce tarefa de se conhecerem cada vez mais e cada vez de forma mais profunda. Por isto mesmo o verbo “conhecer” na língua judaica quer dizer “envolver-se”, ou seja, estar mais íntimo do outro, saber seus gostos, suas sensações, decifrar aquelas carícias que o tornam mais completo, mais satisfeito, mais realizado com aquela com quem divide não apenas uma cama, não apenas alguns momentos, não apenas um bom orgasmo. Dividem algo mais, alguma forma de desiderato crescente que faz com que eles se encontrem em diversas dimensões. Cada toque, cada gesto, cada gemido, cada fremir da pele excitada é uma mensagem da alma de um para o corpo e alma do outro. Cada um possui um significado especial, próprio, característico que o torna único e profundamente representativo como um símbolo que será para sempre eternizado naquele momento.
Não basta apenas um olhar, um gesto, uma ínfima demonstração de interesse carnal que seja apenas interesse pelo corpo. Precisa de algo mais, algo que torne aquela ocasião única de diferente de qualquer outra. É claro que isto não significa que não aconteçam ocasiões em que dois seres desejem profundamente dividir apenas um momento. Eventos como esses acontecem, é fato, e devem acontecer porque são salutares para o corpo, espírito e mente, são encontros que fazem com que nos sintamos vivos, respirantes, profusos de nossa própria existência e da nossa condição de mortais que somente poderão levar deste mundo as sensações e sentimentos que aqui foram cultivados. Passa por uma realização do desejo biológico também e se assemelha, em muitos aspectos, às demais sensações que experienciamos ao longo da vida. Sentir prazer não é crime nem pecado, e pobre aquele que assim pensa, pois sua consciência está mais perturbada do que imagina.
Desejar alguém que se viu na rua, no metrô, no escritório, em qualquer lugar é algo tão normal e confessável quanto declarar-se enamorado de a uma outra pessoa, sem qualquer limite ou distinção, pois desejar alguém pode – em alguns casos – ser o início de algo mais profundo do que profano. Enfim, deixe que o destino siga o seu caminho e utilize seu livre arbítrio para decidir aquilo que seja uma enorme experiência sensitiva e sensível do que as anteriores. Saiba em que terreno pisa, mas pise neste terreno com a confiança de quem quer amar e ser amado. As guloseimas da vida como dizia o escritor francês BAUDELAIRE, devem ser saboreadas sempre como se fossem as últimas, extraindo delas o máximo de sabor, o máximo de êxtase que ela pode nos proporcionar, sabendo que sempre serão as últimas, mas também sempre compreendendo que a vida é exatamente isso: ser aproveitada em toda a sua plenitude, usufruindo de tudo que ela possa nos oferecer como dádivas especiais e individuais que atendam aos nossos anseios e que nos tornem mais próximos da perfeição.
Aliás, perfeição é o que se busca nesta existência tola e fútil que se torna vazia quando sabemos o que temos, mas não sabemos quem somos e o que queremos de verdade. Existir é um exercício perene e constante de apreender e de sentir. Sentimos tudo que está à nossa volta de desse tudo apreendemos aquilo que nos sensibiliza, que reflete em nossa alma algo que nascemos, crescemos e vivemos para encontrar: nós mesmos e nosso semelhante que partilhará a vida conosco. Acredito piamente nesta tese, e por esta razão assumo a possibilidade intensa de procurar sempre para encontrar aquilo que aplaca a sede a minha alma, a fome do meu ser. Amar alguém, mesmo que de forma passageira, embora possa parecer fútil ou incabível, é, na verdade, uma forma de expressar-se perante o mundo e perante eu mesmo.
A paixão, por sua vez, é uma febre que nos atinge de forma tão pungente e tão marcante que nos esquecemos de tudo que está a nossa volta. Dizem os sábios que a paixão é perigosa, porque além de cega e surda, ela corrompe o espírito e seduz a alma para o lado mais negro do coração. É um desejo desmedido que é tomado com única fonte de verdade para a vida de alguém. O perigo está no modo com que o indivíduo abraça a paixão, como se fosse ela a última razão de sua vida, um renascimento para tudo aquilo que estava adormecido em seu interior. E ele vai em direção ao desconhecido, atirando-se de corpo, alma e coração em rumo à este sentimento que lhe tolhe e razão e lhe turva a alma. Pensadores, psicólogos e outros especialistas afirmam com certeza que paixão é amor em excesso e que o excesso faz mal ao ser humano. Trata-se de um forma de pensar, de considerar os fatos, até mesmo porque existem muitas paixões que demonstraram conduzir o indivíduo no caminho certo rumo à felicidade.
Quando nos apaixonamos, nos entregamos e, por conseguinte, sabemos que nosso parceiro (ou parceira) também se entrega inteiramente. E ainda sabemos também que se correspondida em sua plenitude a paixão nos trará felicidade, mesmo que esta venha acompanhada de um pouco de dor; porém, nos casos em que a paixão não é correspondida, ou mesmo vislumbre-se a sua impossibilidade por qualquer ordem, sua negação tornar-se-á doentia, posto que o apaixonado sofre por não ser correspondido ou mesmo por estar ciente desta não ser possível de concretizar-se; e essa doença afeta não apenas o indivíduo, mas também todos que estão à sua volta. A dor é insuportável e insuperável e somente será resolvida quando advier um destes eventos: um novo amor que alimente sua alma, o fraquejamento do espírito e a busca de um subterfúgio qualquer e, finalmente, a destruição da pessoa humana (suicídio, crises de depressão e a busca da morte pela inanição).
Bem, de qualquer forma que se veja a situação, sentir é o que importa para o ser humano, pois, ao sentirmos paixão, amor, e plena correspondência, sentimos também que estamos vivos, participantes, ativos na melhor forma da expressão. Construíremos sempre algo melhor para nós mesmos, para aqueles que nos cercam e, principalmente para aquele a quem amamos de forma mais que expressiva. Não nos esqueçamos, portanto, que ao sentirmos, sentimos não apenas a nós mesmos, sentimos sim aqueles que estão à nossa volta. Sentimos a totalidade de nosso ser, de nossa alma, de nosso corpo e de nosso coração. E o desejo, conseqüência de quem ama, ou de quem pretende descobrir se ama ou se sabe amar, estará inserida numa esfera de liberdade (não libertinagem), de sinceridade (não de hipocrisia), de realização (não de satisfação); ou seja, fazer amor com alguém – ou ainda fazer sexo com alguém – não é pecado ou mesmo crime, é alegria de plenitude e de satisfação não apenas para o corpo, mas para a alma e para o espírito.
“Uma poderosa ferramenta para nos ajudar a gerir com habilidade a nossa vida é perguntar antes de cada ato se isso no trará felicidade. isso vale desde a hora de decidir se vamos ou não usar drogas até se vamos ou não comer aquele terceiro pedaço de torta de banana com creme”. Dalai Lama.