O medo do branco
Qual o que, isto é uma folha em branco! Impressionante como um simples objeto pode despertar tantos sentimentos, e tão contraditórios entre si. A mente gira numa velocidade impressionante, sempre formulando, analisando, organizando, mentalizando e já prevendo o êxito da transcrição dos pensamentos. E confesso ser esta uma sensação assaz agradável, e até recompensadora. Tudo é maravilhoso. Nos sentimos capazes das mais incríveis criações, uma fábrica de best sellers e futuros block busters, gênios literários respingando nas córneas alheias, de quem quer que tenha a coragem de se aventurar pelas belas linhas bem traçadas que fomos capazes de criar. Doce ilusão de uma mente fantasiosa! Que cruel realidade nos bate à cara quando nos deparamos com aquele que deveria ser nosso melhor amigo, nossa mais ardente amante e fiel companheira. O vazio...
Ao encará-la, ao invés da magia de linhas pomposas e admiradas, nos vemos com um estranho aperto no peito e com a mente já não pensando em personagens maravilhosos, casos de amores clássicos ou ficção inventiva e previsível, só pensamos no terror da pespectiva de se lhe lançar a primeira palavra, a primeira letra. Esqueça os fantásticos enredos que se desenrolam sob sua caixa craniana. Isso é ilusório ante o medo de se profanar com palavras banais a pureza de uma relés folha em branco. Ao fixar meu pensamento sobre o inanimado objeto, tenho a certeza de que jamais chegarei perto de satisfazê-la, de preenchê-la com fantasia, humanismo e dignidade. Aí entra toda a contrariedade de suas atribuições. Como posso eu, o ser racional, de livre arbítrio resplandecente, me sentir tão intimidado perante o branco? Como pode a ausência de cores mostrar-me mais que qualquer palavra o quão fugaz são meus desejos e anseios? Perguntar-me-ei incessantemente, sempre que diante dela estiver, de onde vem essa magia, de onde vem essa força, essa capaciadade de acovardar o ser humano?
Oh meu amigo e desafeto! Oh meu salvador e meu carrasco! Que queres de mim? Dai-me a senha para que possa ocupar os recônditos de seu ser, e que possa honrar toda a nobreza de seu destino e atribuições. Deixai de lado as mágoas com as mazelas com as quais te castiguei anteriormente. Permita-me sondar sua profundidade e retire de mim todo este sentimento que me encarna a alma...o medo do branco.