DA FUNÇÃO DO POETA.

O poeta melhor se aprimora tanto mais

se aprofunde numa reflexão dialética

da própria existência?

Obed de Faria Jr.

A epígrafe “obediana” nos põe, digamos, no olho da problemática, isto é, qual mesmo a grande função de um poeta? Terá ele um compromisso social? A realidade que o cerca (afora seu umbigo sentimental) ocupa que lugar naquilo que produz? Se, como defendo, o Poeta deve “desvendar” nossos problemas e denunciar as arbitrariedades (essas não poucas vezes cometidas em nome de grandes ideais) a “reflexão dialética da existência” é sim um “imperativo categórico”.

Parnasianos, românticos e simbolistas formam um capítulo à parte. Os demais evitavam o nefelibatismo. Portanto, a vida bruta, os homens concretos, os fatos, em outras palavras, o engajamento, compõem a matéria de ofício. Não é preciso dizer que o sonhar se encontra aqui incluso, afinal, nas palavras de Paulo Freire, na percepção dialética, o futuro com que sonhamos não é inexorável. Temos de fazê-lo, de produzi-lo, ou não virá da forma como mais ou menos queríamos.

Penso que a mola propulsora da imaginação criadora é, reitero, a “reflexão dialética da própria existência”. Destarte, nesta agonística, o Poeta há de se aprimorar.

No horizonte de expectativa, cabe a um Poeta, de verdade, auxiliar nessa dura empreitada rumo ao reencontro de nós mesmos, bem como na volta a um ponto de equilíbrio salutar. Por isso, Nelly Novaes Coelho nos adverte: A literatura – uma das mais importantes “ciências da imaginação” – poderia ser o eixo organizador de determinadas unidades de estudo – uma espécie de “fio de Ariadne” que poderia indicar caminhos não para sairmos do “labirinto”, mas para conseguirmos transportá-lo em vias comunicantes que a compreensão do mundo exige.

Assim, tudo no fazer literário, na manipulação da linguagem artística, deve se constituir em “problemas” nos incitando a reflexões percucientes.

É deveras interessante o juízo do senso comum sobre o ato de escrever poemas. Amiúde, é visto como função catártica ou simplesmente como instrumento de refúgio. De modo que “inspiração”, comunicação com os outros e a catarse formam a trindade justificadora.

Sem a “reflexão dialética da existência”, não há novidade que se eternize num eterno renascer. Tudo acaba na primeira leitura, esgota-se, o poema, por ele mesmo, existe um enfadonho girar das palavras em torno unicamente das idiossincrasias do autor, servindo aquele como repositório de lamentações, nada mais.

As categorias “rolanbartheanas” seguintes nos põem a par de três grandes forças da literatura: MATHESIS, MIMESIS e SEMIOSIS. Na primeira, encontramos o saber, diz o mestre, “a literatura engrena o saber no rolamento da reflexividade infinita”. Na segunda (mimesis), nos voltamos para o representar, essa representação não se dá no sutil emaranhado das ideologias (entendidas essas como fetiche, mascaramento, embuste). Ora, ainda que o objeto, de certa maneira, seja o real, na literatura há de haver sobretudo a construção de um impulso utópico, um reino dos impossíveis. Um escritor, assegura Barthes, deve ter a teimosia do espia que se encontra na encruzilhada de todos os outros discursos. Na terceira (semiosis), nos deparamos com aquela força onde todo e qualquer signo presente no tecido literário se transforma num jogo perspicaz e heteronímico das coisas. Afinal, o Ser não passa de narrativa, narrativa essa cuja essência encontra-se exatamente naquilo que se queira dizer. Não existe signo no vazio, a carga semântica nele contida, não importa se literária ou não, é puro desejo.

Se nos voltarmos para aspectos técnicos, a história muda de figura. De minha parte, sei que um bom manual de teoria literária resolve. Pelo exposto, o que nos deve mesmo interessar é a outra dimensão, ou seja, a conteudística. Não hesito em dizer, se uma obra literária qualquer, ao ser lida, nada me acrescenta, é melhor ir para o lixo. Trata-se das mais autêntica “LIXERATURA”.

Enfim, a função maior do Poeta não é versejar. Ele tem de colocar o pé na lama deste “estar-no-mundo”. Ancorado no saber, fincado na realidade e manipulando inteligentemente os signos, ele tem a responsabilidade irrefragável de rasgar veredas à procura de forças libertárias.