Hoje eu, amanhã você

Quem nunca pensou: "por que tudo acontece de uma vez?". E ainda se achou escolhido: "por que só comigo?!".

Às vezes a gente acorda e bate o dedinho no canto da porta do banheiro, fica bravo e xinga. Aí derruba pasta de dente na camisa de trabalhar. Resmunga, olha no relógio e vê que não dá tempo de comer pra enfrentar o dia. Não dá tempo de fazer nem café instantâneo. Naquele frio que veio de repente trazendo uma chuva que molhou todas as suas roupas no varal, o carro a álcool decide não pegar. As nuvens estão se acumulando e não dá tempo de levar a roupa já úmida pra dentro de casa. Droga!

Sabe aquela pasta cheia de documentos importantes que era pra ser levada na reunião de hoje? Então, ficou em cima da escrivaninha. Paciência. Parece que o dia vai ser duro de acabar, mas você está lá, com espírito de brasileiro.

Quando as coisas acontecem sem que haja alguém envolvido na sua tragédia de alguns dias, parece que tudo é mais fácil de ser esquecido. Tudo foi culpa sua mesmo. Da sua cabeça que não funciona sob pressão e sob trânsito. Mas quando tem alguém, as coisas mudam de direção.

Aquela vaga disputada na empresa em que você trabalha há 10 anos foi conseguida por alguém que acabou de voltar de um doutorado na Escócia. Você ainda nem sabe quem é essa pessoa, mas sabe que a simpatia morreu junto com a esperança da promoção.

No dia em que você resolveu sacar o dinheiro pra pagar as contas do mês e se livrar dessa responsabilidade por uns 25 dias, tinha um cara na fila expert em descobrir senhas. Resultado: as contas não foram pagas e te disseram pelo telefone que esse problema só pode ser resolvido no banco onde a conta foi aberta, ou seja, lá naquela cidade do interior onde seus pés nunca mais pisaram. Aí o cara que clonou a senha e o que te disse como você deveria proceder viram os vilões do dia. Eles não saem da cabeça. Você cria um rosto pra cada um, uma rotina, começa a imaginar a vida deles, se têm família e, claro, por que eles escolheram uma pessoa tão digna e atarefada como você?

O que não percebemos é que todo mundo tem dias ruins, mas também faz dias ruins na vida de muita gente. É a vida: um dia sofrimento, outro dia fazer sofrer. É inevitável.

Talvez não dê pra saber, mas bem no dia em que você pediu demissão, achando que ninguém ligaria, seu chefe tinha acabado de perder alguém na família e não era hora de se preocupar com uma substituição. Além disso, ele te achava competente.

Aquele namoro não parecia certo, não dava pra se sentir bem.. então a melhor coisa é terminar, ser honesto com a pessoa, transparente para não fazer sofrer. Mas só o pensamento de acabar com algo que é tão importante pra quem está se envolvendo com você, já deixa a pessoa ouvindo todas as músicas do Legião Urbana no escuro.

Mesmo que não tenhamos intenção de fazer sofrer, às vezes acontece. E quem te faz ou fez sofrer talvez nem soubesse quanto mal ia gerar.

Sabe aquela história de perdoar 70 vezes 7? É o jeito, senão a gente passa a vida criando uma rotina pros vilões das tragédias itinerantes, enquanto outras pessoas criam uma rotina pra gente.

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