Austrália
Da ampla sala avistava-se a paisagem da baia. As embarcações da marina pareciam, de longe, barquinhos de papel, origames cujas dobras guardavam em suas pregas os sonhos que me levaram a Sidney, promessas de uma vida nova, criar meu filho no primeiro mundo, com as possibilidades que eu não via aqui no Brasil.
Depois justifiquei um projeto que não deu certo qualificando-o de fuga. Projetos têm que ser próprios e não um anexo ao qual podemos ou não nos adaptar.
Todos os dias passávamos pelo centro e uma das formas de chegar ao outro lado da cidade, ou simplesmente como forma de passear, era tomar a embarcação que fazia várias viagens no dia.
Um desses dias, estávamos na praça de acesso e notamos uma pequeno aglomerado de pessoas. Aproximamo-nos. Era um aborígine, tocando um instrumento nativo. Sua pele cor de ébano sobressaía, em meio dos que o rodeavam, os de pele clara, louros ou não, de olhos de vários matizes. Os assistentes jogavam moedas no seu chapéu.
O nativo parecia estar embriagado. Olhei fixamente nos seus olhos e um estranho sentimento tomou conta de mim. Tive a lembrança do centro da cidade, a Praça da Sé. E seu olhar parecia refletir o estigma da dominação levada a efeito pelo invasor e as conseqüências advindas desse tipo de colonização.
Só muito tempo depois identifiquei aquela estranha sensação. A de que o Brasil estava ali e isso iria comigo para onde quer que eu fosse.
04/03/2008