Algum dia eu serei feliz?

Mas uma vez de volta a terapia. Por que o processo terapêutico tem que ser tão longo e dificultoso? Essa mania que os psicólogos têm, de querer te guiar pra resolver suas questões, ao invés de simplesmente dizer o porquê você é doida, me enlouquece.

A psicóloga me questiona quais são as minhas motivações na terapia. Boa pergunta. Pergunta difícil. E se eu te disser que eu me odeio e que eu acho que nunca vou e nem mereço ser feliz, mas apesar disso eu quero? Motivação o suficiente? Precisa elaborar mais? Okay.

Durante a investigação de um caso na medicina, o raciocínio clínico envolve você se basear em uma queixa principal, que pode ser um sinal ou um sintoma, o que chamamos de diagnóstico sindrômico - daí temos síndrome febril, síndrome da dor abdominal, síndrome da cefaleia (dor de cabeça para os não bestas), etc-, e ir afunilando, baseando-se na história do paciente, até achar uma etiologia, que seria o que está causando o problema, a doença ou condição. É de bom tom, e clinicamente prudente, que você tente encaixar todas as queixas e achados do exame físico e exames laboratoriais e de imagem em um número mínimo de etiologias possíveis. Preferencialmente uma só. Eles falam sobre navalha de Okhan, mas a medicina gosta de ser bem minimalista mesmo.

A etiologia dos meus problemas é a relação que eu tenho com minha mãe. Isso não é novidade para mim. Eu sei que nosso relacionamente é difícil, para dizer o mínimo, há bastante tempo. Eu aceito a minha parcela de culpa, apesar de saber que o outro lado nunca aceitará a dela. Sim, eu ainda sinto muita raiva. Eu não tenho interesse em manter contato com ela. Porém eu desejo que ela fique bem e encontre paz. Mas não é o suficiente, não é mesmo?

Não é suficiente quando, no momento que qualquer evento adverso acontece na minha vida, eu sinto que é culpa minha. Você perdeu seu carimbo? Poxa, ainda não aprendeu a ter responsabilidade com as coisas. Sua colega de trabalho fez um comentário maldoso por você pelas costas? Você provavelmente não é digna de confiança, eu sabia. Alguém comprometido deu em cima de você? Tem alguma coisa em você que atrai esse tipo de gente, você deveria se preservar mais. Aah, mais uma semana que você não praticou atividade física nem estudou? É impressionante como você sempre desiste das coisas.

Uma vez, em um dos seus muitos acessos de raiva, minha mãe me disse que eu nunca seria feliz. A citação direta é: “Você não vai ser feliz nunca, porque praga colocada por mãe pega”. Ouch. Eu deveria ter uns 10 anos. Desnecessário, eu sei. Como exercício imaginativo, então deixaremos a loucura dela de lado e o fato de que pragas não existem no mundo real e analisaremos o sentença dela como verdade. Partindo desse ponto, vamos por partes:

1. Minha mãe me jogou uma praga → Sim, maldições não existem (eu acho), tampouco karma. Mas é de se perturbar a cabeça ouvir uma dessas. Praga não é algo simples e bobo, é você está ativamente desejando o mal de outra pessoa. No caso em questão, há um sabor amargo especial, um poder maior sobre o amaldiçoado, já que o emissor foi a progenitora

2. Conteúdo da praga: que eu nunca seja feliz. Abrangente, poderia perder a efetividade se não for colocada com força o suficiente. Afinal, nem dá para ser feliz o tempo todo, a vida é composta por momentos felizes e desilusões. Mas o segredo aqui, na minha opinião, é você transformar o momento onde profere a maldição em memória fundamental. Assim, toda vez que o receptor da praga estiver meio cabisbaixo, a vida estiver judiando dele, vai cruzar a mente dele aquela memória.

3. Praga de mãe pega → Sempre pega? Não tem como escapar? Nem com reza, amarração, nem se eu me converter ao senhor Jesus Cristo? Nem com terapia? E se for verdade absoluta, por quê? Qual é a desse destino inescapável?

Minha hipótese, após muita deliberação, é que "sempre pega" por conta dos pontos 1 e 2. Veja bem, há muita força no emissor, porque ele tem relação direta e forte com o receptor da maldição. Mãe e filha, não tem como ganhar disso. E há um momento especial sobre quando foi emitido a praga: durante a infância da filha, onde a personalidade e as memórias chave ainda tão sendo formadas. Onde ela ainda toma as coisas que a mãe diz como verdade

Está feita a desgraça. Não, minha mãe não me jogou uma praga, porque isso não existe. Eu não estou condenada por alguma força superior a nunca ser feliz. Minha “maldição” é ser filha de alguém que não me acha digna de felicidade. Que não tinha maturidade o suficiente para perceber o quanto suas palavras eram danosas. Complicado. (risada nervosa). Talvez eu realmente esteja amaldiçoada

Amanda Távora
Enviado por Amanda Távora em 16/04/2025
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