A limpeza e seu prazer artificial

Quem diria que poderia existir algo em comum entre o colégio e a faxina em um quarto

Se já existiu alguma criança que gostasse de escola, definitivamente esse alguém não era EU! Acordar cedo, logo após uma esfera amarelada despontar no horizonte ou, em certas épocas do ano, ter de descerrar os olhos ainda antes de o nascer do dia. Mas, havia uma coisa nessa época que me oferecia um prazer descomunal (além das férias, claro), baseada em meras duas letras, aqui vai uma pista: uma vogal e a outra uma consoante. Acertou na mosca quem pensou no tão aguardado AP (não confundir com apartamento), impresso junto ao meu nome em azuladas letras garrafais. Não era nada fácil conquistar tal glória, por isso logo ao final do ano letivo, ocupava algum lugar de mínimo destaque na caderneta escolar.

Pouco importava se iria passar “Direto”, se precisaria ser submetido a uma tal de “Prova Final” ou se a chance derradeira seria durante a “Recuperação”. Importante mesmo era ser contemplado com as duas letrinhas, a abreviação de aprovado. Aos trancos e barrancos eu paulatinamente fui conquistando alguns APs durante minha intrincada jornada escolar.

Tantos anos depois, hoje parece que existe uma experiência, bem dissonante, pra falar a verdade, e que por razões que eu mesmo desconheço parece evocar aquela agradável e tão nostálgica sensação. Uma vez por semana me ponho a limpar o quarto, passar pano em toda bancada, aspirar o chão e encerrar com pano e desinfetante.

Todas as vezes que finalizo o serviço, tendo as narinas invadidas pelo bálsamo provindo dos produtos de limpeza recendidos do assoalho limpo, acabo me vendo invadido por uma espécie de clímax, um misto de felicidade e sensação de dever cumprido, bastante semelhante ao ápice da aprovação experimentada na escola.

E com uma nítida vantagem: enquanto antes o apogeu só me era concedido uma única vez a cada 365 dias (isso caso eu não reprovasse de ano), agora toda semana basta só concluir a limpeza para, quase literalmente, andar nas nuvens. Devo ser realmente uma figura bem-aventurada, afinal eu odiava escola e sabia que ela terminaria algum dia, como aconteceu. Eu lembrei de dizer que também detesto limpar o meu quarto? Com ou sem clímax, diferente da escola, esse martírio parece fadado a não perecer jamais.

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 06/04/2025
Código do texto: T8303672
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