Aos Suicidas de Plantão
Ontem à noite, eu recebi uma notícia que me tirou o chão. Uma amiga querida, alguém que eu sempre vi como uma espécie de farol no meio da tempestade que é a vida, tentou se matar. Eu estava a quilômetros de distância, preso na minha própria rotina, e quando soube, uma onda de impotência me engoliu. Não hesitei: liguei para ela, para a família dela, para os amigos que compartilhamos, desesperado por notícias. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, consegui falar com ela. A voz dela estava fraca, quase um sopro, mas era ela. E eu? Eu estava em pedaços, tentando segurar as lágrimas enquanto fingia força pra ela.
Essa amiga sempre foi daquelas pessoas que parecem iluminar tudo ao redor. Sabe aquele tipo de pessoa que entra no ambiente e você sente o ar mudar? Ela tinha um sorriso que parecia genuíno, uma energia que contagiava, como se carregasse o sol no bolso. Eu nunca imaginei que por trás daquele brilho havia um peso tão grande, uma dor que ela escondia tão bem. Isso me fez parar e pensar: o que é felicidade, afinal? Será que é algo que a gente realmente vive ou apenas uma máscara que colocamos pra atravessar os dias? Epicuro, um filósofo grego, dizia que a felicidade é a ausência de dor. Mas e quando a dor é tão profunda que você não consegue nem sonhar com um momento sem ela? Schopenhauer, por outro lado, via a vida como um ciclo de sofrimento sem fim. Às vezes, me pergunto se ele não estava certo.
Eu sou apaixonado pela vida. Sempre fui. Mesmo nos piores dias, quando tudo parece desmoronar, eu encontro refúgio nas coisas simples: o céu laranja ao amanhecer, o som da chuva na janela, uma música que me pega desprevenido e me faz sentir vivo. Nietzsche, outro pensador que admiro, falava do amor fati – o amor pelo destino, aceitar a vida como ela é, com todas as suas imperfeições. Eu tento viver assim, abraçando as rachaduras, mas sei que nem todo mundo consegue. E como julgar quem olha pro próprio destino e só enxerga feridas?
A juventude é um tempo confuso, não é? É quando a gente corre atrás de quem somos, tentando encontrar nosso lugar no mundo. Mas essa busca traz uma angústia que não explica, um vazio que pesa. E a velhice? Essa é outra história. Ela chega com o peso das lembranças, o olhar pra trás, a certeza de que o tempo está se esgotando. Cada fase tem seus próprios fantasmas, e talvez seja isso que nos faz humanos – essa dança constante entre o que queremos ser e o que a vida nos força a enfrentar.
Sobre crenças, eu sou um perdido confesso. Não sigo religiões, igrejas ou livros sagrados. Não engulo tudo que me contam, mas também não rejeito tudo de cara. Acho que tem algo maior por aí, algo que escapa às palavras. Pascal, um filósofo francês, falava da “aposta”: se você acredita em Deus e Ele existe, você ganha tudo; se Ele não existe, você não perde nada. Pra mim, porém, não é questão de apostar. É mais uma intuição, uma sensação de que a vida tem um propósito que eu não decifro completamente. A ciência explica muita coisa – o brilho das estrelas, o pulsar do coração –, mas há perguntas que ela não alcança. E é nesse espaço, nesse mistério, que eu coloco minha curiosidade, minha fé desajeitada.
Voltando à minha amiga... Eu não sei o que a levou a tentar desistir. Talvez ela nunca me conte tudo, e eu respeito isso. Mas, no fundo do peito, eu sinto que a vida vale a pena. Viktor Frankl, que sobreviveu ao horror do Holocausto, escreveu em 'Em Busca de Sentido' que mesmo na pior das dores a gente pode encontrar um motivo pra seguir. E é isso que eu quero te dizer, pra você que tá lendo isso, pra você que talvez esteja pensando em jogar tudo pro alto: a vida tem valor, mesmo quando parece que não. Não é fácil, eu sei. Mas tem esperança, tem sentido, tem algo que vale a pena segurar.
Eu sempre vi a vida como um jogo. Um jogo estranho, onde as regras não são claras e a gente tem que jogar mesmo assim. Às vezes, quando a gente tá perdendo feio, dá vontade de chutar o tabuleiro e sair correndo. Mas aí eu penso: mesmo nos piores momentos, sempre tem uma jogada inesperada, uma carta na manga que a gente não viu. A vida tem essa mania de surpreender, de virar o jogo quando menos esperamos.
Quando eu era mais novo, achava que felicidade era um estado fixo, tipo um prêmio que a gente conquista e guarda pra sempre. Mas o tempo me ensinou que não é assim. Ela é mais como uma visita fugaz, que chega sem aviso e vai embora rápido demais. Aristóteles falava da eudaimonia, um bem-estar que vem de uma vida virtuosa. Não sei se concordo inteiramente, mas acho que ele tinha razão ao dizer que felicidade é algo que se constrói, não só um instante que se pega no ar.
E quando tudo desaba? Quando a estrutura que a gente levantou com tanto esforço rui? Aí a coisa fica difícil. Eu já vi gente desistir, e confesso que já pensei nisso também. Mas algo sempre me segurou – teimosia, medo, ou talvez uma fé meio louca de que a vida ainda tem mais a oferecer.
Uma vez, num momento bem sombrio, li Albert Camus. Ele falava do absurdo da vida, de como buscamos sentido num mundo que não faz sentido. E ele dizia que, mesmo assim, a gente tem que continuar. Ele usava o mito de Sísifo, condenado a empurrar uma pedra morro acima eternamente, só pra vê-la rolar de novo. E Camus dizia: “Temos que imaginar Sísifo feliz”. É uma ideia maluca, mas tem algo de poderoso. Se a vida não tem sentido pronto, então somos livres pra criar o nosso.
É o que eu tento fazer. Criar meu próprio sentido, mesmo que seja só pra mim. Não sou religioso, como já disse, mas acredito em algo – não um deus específico, não uma doutrina, mas uma sensação de que a jornada vale a pena. Talvez o sentido esteja nas pequenas coisas: o cheiro de café pela manhã, o som de uma risada, o calor de um abraço. Talvez esteja nos detalhes que só vemos quando paramos pra olhar.
Eu sou fascinado pelo tempo. Quando somos jovens, ele parece infinito, um mar de possibilidades. Mas, com os anos, sentimos o peso dele, percebemos que cada dia que passa é um dia a menos. Isso assusta, mas também liberta. Se o tempo é finito, cada momento importa. Sartre dizia que somos “condenados a ser livres”, que a liberdade é um peso porque temos que escolher o que fazer com ela. E eu acho que sim: a vida é feita de escolhas, e mesmo não escolher já é uma escolha.
Então, se você tá pensando em desistir, eu te peço: escolha continuar. Escolha falar com alguém, buscar ajuda, dar uma chance pra vida te surpreender. Eu sei que parece simplista, mas às vezes o simples é o mais verdadeiro. A vida é preciosa, mesmo quando não parece.
Eu penso muito na minha amiga, no que ela sentiu pra chegar a esse ponto. Queria ter estado lá, ter dito algo, feito algo. Mas não estava, e agora só posso torcer pra que ela se levante. E pra você, que tá lendo isso, eu digo o mesmo: não desista. Fala com alguém – um amigo, um familiar, até um estranho. Não carrega essa dor sozinho. A vida é um presente esquisito, às vezes pesado demais, mas é um presente.
Eu não sou psicólogo, não sou guru. Sou só um cara tentando entender essa loucura, como você. Mas acredito que a vida vale a pena. No meio do caos, tem beleza: amor, arte, música, natureza, pessoas que se importam. E tem você, único, com algo a oferecer, mesmo que ainda não veja.
Como já dizia 'O Pequeno Príncipe': “O essencial é invisível aos olhos”. A dor pode cegar, mas o que importa tá lá, esperando. Então, por favor, continue. A vida vale a pena, eu prometo.