A Melhor Forma de Vingança é…
“A vingança nunca é plena…” — Madruga, Seu.
Os eruditos e intelectuais muitas vezes deslegitimam os saberes populares, mas, neste texto, quero demonstrar a sabedoria da frase do ilustre personagem de Chaves, pai da Chiquinha, à luz de grandes conceitos filosóficos e pensadores.
Para Nietzsche, o espírito de vingança está intrinsecamente ligado ao ressentimento e à má consciência, que são resultado de seres humanos fracos, cansados da vida e da existência. Ressentimento, para Nietzsche, é quando o ser humano busca um culpado para as coisas que dão errado na sua vida. Quando culpa fatores externos, ele se torna ressentido; quando internaliza a culpa, colocando-a em si mesmo, adquire a má consciência. Assim, surgem conceitos como o pecado, por exemplo. O ser humano vingativo, ressentido ou de má consciência é sempre niilista.
Eu escrevi sobre o que é niilismo em outro texto: O que é niilismo. Para quem quiser se aprofundar, é só clicar no link. Mas, resumidamente, há três formas de niilismo: o passivo, que é quando o indivíduo não vê sentido algum na vida e se resigna; o niilismo reativo, que ocorre quando o ser humano reconhece o não sentido da vida, mas atribui sentido a uma realidade fora da existência, como o paraíso cristão ou a crença em Deus. Posteriormente, com a sociedade tornando-se laica, o niilista reativo passou a cultuar outros valores além de Deus, como conforto, progresso e segurança, mas continua reativo, segundo Nietzsche, talvez até mais que o primeiro. Por último, há o niilismo ativo ou afirmativo, que consiste em reconhecer a falta de sentido da vida e, mesmo assim, criar seus próprios valores com base na realidade, na terra, nos sentidos, na expressão singular da sua vontade de potência.
No contexto da dependência química, o dependente oscila entre o niilismo passivo, se vê a substância como uma fuga da realidade, e o niilismo reativo, se a substância opera como reação ao vazio, mascarando o real problema ao tentar dar sentido à vida. Para Nietzsche, o corpo é composto por energias reativas e ativas. Os órgãos do corpo buscam, constantemente, conservar-se. O coração bate, os pulmões respiram. Os órgãos são, por natureza, reativos. Mas, para Nietzsche, há no corpo algo que vai além da reação, além dos órgãos. Nesse sentido, Deleuze cunhou, no livro O Anti-Édipo, o termo “corpo sem órgãos”, que é a capacidade de um corpo agir sem interferência dos órgãos, de modo ativo.
Um corpo com órgãos age segundo seus apetites, movido sempre pelo desejo. E o que é o desejo? O desejo é sempre uma falta, a ausência de um objeto necessário para a satisfação do corpo. Isso vale para desejos sexuais, fome, sede ou amor. O objeto do nosso desejo amoroso é aquilo que nos falta. Platão chamou esse tipo de amor de eros. Por isso, tantos motéis levam esse nome. Além disso, Eros é o deus do amor na mitologia grega e romana, um dos deuses mais antigos, representando a energia vital movida pelo desejo. Esse conceito de desejo como força vital é retomado por Freud no conceito de libido. Já o ‘corpo sem órgãos’ age sem a intervenção do desejo, sendo movido apenas por sua força singular de ser ele mesmo e de buscar constantemente sua expansão, expressando-se de forma única e exclusiva, seja na criação de si mesmo como uma obra de arte, seja em algo externo a ele, como resultado de sua vontade de potência.
Voltando ao mal que faz a busca da vingança, conecto diretamente essa questão ao título e à reflexão sobre o melhor método de vingar-se. Vou usar um exemplo prático da minha vida pessoal. Vocês se lembram dos meus algozes, com quem tive algumas discussões virtuais aqui mesmo no Recanto das Letras? Às vezes, eu perdia tempo discutindo, em rixas, paralisando minha produção para respondê-los. Agora, percebo que a melhor resposta para eles é o que estou fazendo agora: continuar escrevendo, “produzindo”, mantendo a espinha ereta e divergindo, na prática, por meio do pathos de distanciamento de nossas obras.
Cheguei ao ponto de discutir com um mitômano, esotérico e excêntrico, em vez de focar na minha própria produção.
Quanto ao meu algoz de origem germânica, admito sua originalidade e reconheço seus méritos, embora discorde quase literalmente de tudo que ele escreve e do seu modo de ver o mundo. Contudo, respeito-o como adversário. Em alguns pontos, até podemos concordar, como, por exemplo, na crítica de que a juventude vem sendo contaminada pelo discurso excessivo do politicamente correto, que cristaliza o pensamento e não possibilita novas ideias. Aqueles que se dizem progressistas muitas vezes se assemelham mais a reacionários, mostrando-se incapazes de aceitar até mesmo um mero pedido de desculpas.
Mas isso é tema para outro texto. Porque a vingança “mata a alma e a envenena.”