Vai com calma
Quando se tem pouca idade, o fim assusta. Ver-se falar do tempo passar, dos dias correrem e os mais velhos comentarem que "piscaram" e se passou duas, três décadas. E aquilo fica no inconsciente do mais jovem, cedendo pelas permissões da vida para viver, ter história para contar, grudados na ânsia do poder, poder e poder. Histórias diversas são ouvidas, absorvidas, desejadas, mas nunca ditas como iniciam, só dizem "não sei, só sei que foi assim". E por isso mesmo fica, por conta do imaginado e do acaso.
O que não dizem muito é sobre o presente, como foi perder a noção do tempo e de que tudo isso aconteceu durante 40 ou 50 anos. Que são quase 440 mil horas. Horas terrestres, diga-se de passagem. E nem vamos falar de mudança de fuso, ano bissexto... Não dá para corrigir! E quando se põe na régua do tempo, algumas dessas aventuras aconteceram em alguns poucos minutos, duas horinhas. E foi isso... É uma pequena fração no meio de todo tempo particular vivido. Mas que marca. Marca a si e ao outro que só pode delirar um dia ter a mesma sorte.
Faço graça ao perceber, hoje, o ciclo se repetir e o viver derramar, lembrando-me do tal ensinamento: "não chores pelo que já foi derramado". E o corpo chora, em dupla decepção, uma por ver a tempo correr continuamente na mesa e a outra por não poder não chorar. E vejo, diante mim, a dúvida do que dizer para minha filha. Sem saber explicar como funciona esse diabo de tempo, que se faz presente a todo instante, em esquizofrênicas imagens futuras e passadas, que me assombram sem uma tarja que me ajude a julgar o que é real e o que não é. E tenho ainda que me portar integra, justa, também presente; além de mãe, ou seja, responsável pela qualidade de vida dela e minha. Então gargalho deploravelmente enquanto os relógios correm-me.
Entretanto... por mais desesperador que seja, não é esta a mensagem que quero suplantar. Só queria suplicar e deixar o testemunho de que não são de fantasias que deves se deixar guiar. Peço que olhe o tempo como ele é, imparável, implacável, injusto, incoerente, ilógico, incompreensivo, irrevogável... Assuma que dentro da maior parte do que se passa, desperdiça-se. E o esforço para tentar tardar esse desperdício, acelera o fim, pois tudo não passa de um escambo improvisado. O que hoje parece inalcançável, amanhã será interminável. Então respira, aquieta-se, essas tuas 07 horinhas de hoje ainda se empilharão incontáveis vezes, das quais você se agarrará, ferozmente, a poucas 24 de 365. Assim, finalizo: "vai com calma".