Vamos viver bem?
Para redigir este texto, escolhi uma memória de quase vinte anos que resgatei recentemente, durante uma conversa. Um acontecimento marcante, porque triste, e peço que não estranhem: após a narração explicarei o motivo.
No início de 2004 aconteceu um acidente com um ônibus de lavradores na região, que trabalhavam na colheita de laranja. Certa noite, durante o percurso de volta do trabalho, chovia forte, o que ocasionou uma enchente que arrastou o coletivo, fazendo-o tombar. Diversos trabalhadores morreram.
Alguns meses depois, visitando um depósito de veículos inativos em Jaboticabal, me deparei com este ônibus. Tive que entrar nele por conta de uma vistoria do meu trabalho da época. Foi desolador: bancos e assoalho cobertos de lama, marmitas de alumínio jogadas, laranjas espalhadas e alguns agasalhos de moletom abandonados durante o momento de desespero. Enquanto corriam as lágrimas no meu rosto, pensei nos trabalhadores que não sobreviveram. Pensei na interrupção da criação dos filhos e do amparo aos idosos da família, na batalha do dia a dia extinta de modo tão abrupto e nos sonhos ainda não realizados daquelas pessoas. Pensei sobre a nossa fragilidade enquanto vivos. No lugar deles, poderia ter partido qualquer um de nós.
Desejei de todo coração que, em meio a e apesar de todas as adversidades antes daquele triste fim, que aquelas pessoas pudessem ter vivido bem. E quando digo viver bem, não me refiro a valores materiais necessariamente, mas muito mais que isso, que apesar de ser muito, é geralmente oferecido por meio das coisas simples, bem próximas, e que muitos não aproveitam nem valorizam: a sombra de uma árvore no parque ou no campo, os bons momentos com a família e amigos, alegrar-se com uma criança, saborear uma bela fruta fresquinha no pé, aprender coisas novas, entre outros atrativos que são importantes em nossas vidas, independente de quem sejamos, da idade que temos, da nossa condição financeira ou grau de instrução. Quantas pessoas não vivem isso direito por conta de uma rotina exaustiva, por exemplo?
Quanto tempo ainda vamos viver? Décadas? Meses? Semanas? Dias? Quem sabe? Mais importante do que se ater a esta dúvida é refletirmos sobre a QUALIDADE com que vamos viver esse tempo, não com aquilo que podemos conquistar futuramente, mas com aquilo que já temos de bom perto de nós. O fim é inevitável, a dor de quem fica também, mas os bons momentos que estivermos dispostos a viver e proporcionar permanecerão na memória de quem os viveu junto da gente. Vamos viver bem?
Por Gabriel L. Trizoglio
11/12/2024