Ninguém
Ninguém
“Sim, amados jovens. Eis o que no fundo somos.”
Pare por um momento. Toda essa informação chegando a nós por todos os lados. Compre, faça, seja. Quem é você? A resposta é dada: em no máximo cem anos, talvez cento e vinte minha amada tartaruga, estarás morto. E tudo bem.
Inevitável destino. Terá alegrias, espero que sim. Tristeza, algumas, espero que breves. Solidão ou momentos tediosos. Planeja seu futuro e de sua família. É inegável que enquanto vivemos aproveitamos o que pudermos da vida. Faça isso. Haverá momentos em que não terá o que aproveitar. Isso é bíblico.
Mas o que é ser ninguém?
Todo mundo gosta de ser alguma coisa. Ser sua profissão. Sou médico, professor, pedreiro, gari, soldado. Ser seus adjetivos. Sou pobre, rico, triste, feliz, lindo, feio. ser substantivo. Pai, mãe, filho, tio, avó. E se definem tendo como base isso. E são todos ao mesmo tempo.
Mas antes de ser tudo isso, és ninguém.
Seu primeiro ser foi um feto, um bebê. mas antes? Só como óvulo não era você, apenas como espermatozóide também não.
A semente pode virar uma árvore, mas ainda não a é. E a árvore não é mais semente, deixou de ser.
E assim é sua vida. Você desde o inicio começa a ser e deixa de ser muitas e muitas coisas minha antiga criança.
“Cadê você Adão? Onde está minha perfeição?”
Mudamos e nem depende de nós. Não nos chamamos por conta própria de bebês. De fato, quando somos, outros nos olham e reconhecem isso em nós. Nem nos chamam de pais. É preciso ter um filho. Ou um sentido figurado, como “você é igual a um pai a mim.”
Mas quero ser ninguém. Não ser nenhuma definição qualquer. Mas a natureza da realidade não deixa. Não há como não ser ninguém? É necessário ser algo para ser algo. Ser ninguém é contraditório. A vida não permite que você não seja algo. E tudo o que já foi faz parte do que é. Você é alguém que já foi tantos alguéns.
E vai sendo cada vez mais e mais até que chega o fim. A semente que virou a árvore. Já não há mais você, o seu ser. Mas continua existindo o que você foi. Como um rastro deixado pelas rodas de uma carroça. Algo estava ali e foi ali. Há esse ser do passado que vibra vivo.
Para ser ninguém é preciso não deixar nenhum rastro. E isso é contrario a natureza de nossa existência. Tudo o que é deixa rastro.
Mas o rastro é algo novo, não mais o antigo. Antes do rastro não havia rastro. Depois dele não há realidade sem ele. E quando o ser tem seu fim, já não é mais ninguém. Afinal, o rastro é uma parte e não o todo. É o todo que se desfez aos poucos. Se juntar todos os rastros não se tem a roda. Se seguir o rastro encontra-se quem o fez, mas se a roda de madeira foi incinerada, encontraremos cinzas. E juntando cinzas e rastros não temos a roda, apenas o que ela deixou ao rodar por seus caminhos. Então torna-se ninguém, algo que já não gera nada, pois não existe. Só existe enquanto memória física. Até em uma mente, afinal as mentes estão na realidade fisicamente.
E assim, antes de existir, era ninguém que se tornaria muitos seres. E após partir, é ninguém após ter gerado muitos seres. Mas como pode existir algo que tem um futuro e um passado sem nada ser?
O ninguém é, portanto, um ser. O ninguém que nada é não nos é compreensível. Mas o ninguém que será ou que já foi se chama alma.
E esse ninguém existe antes, durante e depois do ser. Mas não é o ninguém que está no ser, mas o ser que está no ninguém. Afinal o ninguém gera o ser, ou melhor, todos os seres que passarão a existir durante sua existência. Antes, bebê, jovem, adulto, idoso, morto, o após.
Ou os naturais, água, chuva, rio, gelo, 70% do corpo de alguém.
O presente é o ser com o ninguém. Sempre em modificação. Sempre sendo e deixando de ser algo para tornar-se outro algo. E o ser carrega sua história, afinal um tijolo já foi barro. Anda a criação existindo com sua história e seu futuro. O ser nunca deixou de ter sido e também carrega o que será. Assim que um ser acaba ele se torna outro e isso confunde o ser com o ninguém. Mas ambos existem e existirão. A diferença entre eles é que um precisou existir primeiro para ser algo. O ninguém existe sem o ser presente, tendo apenas o ser futuro, o que mostra que esses seres são diferentes pois o ser presente existe e o ser futuro existirá. O ser presente não existe sem o ninguém.
O ser está sendo realizado pelo ninguém. A alma sempre foi eterna.