O Peso da Solidão
O Peso da Solidão
É tarefa para poucos ficar só. Exige paciência e mansidão.
A todo momento, os desejos nos consomem. Queremos algo. Viajar, comprar, comer, conversar... Mil e um desejos de todos os tipos possíveis. Nem sempre podemos realizá-los. É natural que seja assim, mil desejos e apenas alguns podendo ser realizados.
A chave da fechadura do baú dos desejos é o dinheiro. Com ele, muitos desejos são realizados. Mas não todos. Há desejos que o dinheiro não compra. E o mais interessante é que existem desejos que são realizados e não dependem do dinheiro.
Vamos deixar de lado o que depende apenas do dinheiro por enquanto. É mais interessante focar no que não depende dele. Mas não sejamos tolos, tudo necessita de ao menos algumas moedas.
Ficar só. Os pensamentos cobram apenas os gastos calóricos corporais. Há quem não suporte a si mesmo. Ficar só é estar consigo. E se a pessoa for muito insuportável nem ela se aguenta.
A todo momento, você estará só. Claro, Deus estará sempre junto a ti. Quando digo só me refiro a outras pessoas.
Em nosso mundo, a informação leva milésimos de segundos para sair do ponto A e chegar ao ponto B. Você escuta frases feitas no passado, milésimos de segundos no passado. E responde a alguém que já não está mais no mesmo local em que estava antes, falando com a suposição que essa pessoa escutará. E mais do que isso, torcendo para ser bem interpretado. E ela te ouvirá do passado. Tudo ao nosso redor é uma miragem, uma embaçada realidade. Está ali, mas é um estava ali. Presente de fato contigo, apenas você mesmo. E até quando pensa leva milésimos de segundos. Descartes estava correto ao dizer que “...Logo existo”. Apenas isso se percebe de fato. Mas seus pensamentos são do seu eu do passado para o seu eu do futuro. No presente, apenas o saber que está existindo junto a várias imagens e sons que são presentes, mas não estão no local de onde saíram, estão nos seus órgãos dos sentidos.
E essa miragem é muito real, tanto que não há dúvida que estamos ouvindo, vendo e falando no agora. A ilusão não é ruim nem boa, apenas é a realidade.
Esse é o primeiro peso da solidão, saber que no presente só há o existir sendo percebido e as impressões que os cinco sentidos captam do passado. Estar só em meio a informações do passado.
Não ficaremos tristes, afinal dançamos na ilusão. E existe o agora! Estamos aqui e agora! Vejo você no agora, te escuto no agora. Me acalma o agora. Tudo o que recebemos que vem de outras pessoas são histórias reais, previsões, ficções e promessas.
Se nos contam a verdade, história real sobre o passado.
Se usam a lógica para prever, por exemplo, que se chover molhará o chão, são previsões.
Se mentem ou inventam, ficção.
Se dizem que farão algo, promessas verdadeiras ou falsas.
E tudo o que fazemos é interpretar. Se confiamos em alguém acreditamos na história, mas pode ser mentira.
Se usam lógica, confiamos, mas pode ter faltado algum detalhe esquecido.
Se mentem podemos ou não perceber.
E promessas só sabemos se são reais ao se cumprirem. Se forem mirabolantes supomos serem falsas. Também desconfiamos se forem feita por alguém com um péssimo histórico.
E no agora você está só com sua interpretação. Ao interagir com outras pessoas, está sempre interpretando. Ás vezes corretamente, às vezes não. E a sua interpretação da realidade é a sua realidade.
Está só com algo seu. Você e sua leitura da realidade. O mundo é o que você interpreta dele. Se tem medo de cachorro, o mundo tem animais ferozes. Se é “pai de pet”, o mundo tem lindos filhinhos. Ilusão, diria Eclesiastes.
Quanto mais você conhece, mais próximo do real é a sua interpretação do mundo. Ao menos um feixe de luz em céu escuro.
Esse é o segundo peso da solidão, estar só com sua leitura da realidade.
Esqueçamos disso. Vamos passear, conversar, contar histórias e acreditarmos no que vemos e ouvimos, desde que seja razoável. E vivemos todas as experiencias que nos são possíveis. Esquecemos que vemos o passado e que interpretamos tudo a nossa maneira. E assim fazemos amizades, trabalhamos, compramos casa, carro... E o terceiro peso da solidão aparece. Some o “eu” e nos tornamos uma “parte de um todo”. Nada demais, afinal já era assim antes. São esquecidas as duas realidades anteriores e essa é a única realidade percebida.
Aqui é onde começa a tristeza ou alegria. Aceitamos ser algo temporário e sofremos por esse algo como se ele fosse inseparável de nós. Sou um policial! Agora sim, ontem não, amanhã talvez. De fato, nunca se deixa de ter sido algo nessa camada da realidade. Uma vez que foi, sempre terá sido. Foi um bebê. Não há como deixar de ter sido. Mas já não é mais. Foi um homem rico ou o namorado de alguém. Mas isso é temporário. A traça e a ferrugem corroem, como diria o Homem das mãos pregadas. Temporário. Um “sou” irreal, pois não te pertence, não te cabe dizer quando se inicia e quando terá fim. É o homem que enxerga, mas não possui essa coisa por completo chamada visão, ela pode sair amanhã por algum motivo. Possui enquanto enxerga, enxerga enquanto possui.
Viver em apenas uma dessas solidões é viver fora da realidade. A realidade é viver nas três ao mesmo tempo. É nesse viver que surge a mansidão. A vaidade de ser algo temporário some. A humildade em saber que não entende por completo e não comanda todos os aspectos da realidade, que não faz apenas interpretações corretas de tudo o que percebe pelos sentidos.
Estoicismo para ser poderoso! Isso apenas no mundo do ser parte de um todo.
Mansidão! Saber que tudo é temporário. O que é bom hoje pode ser ruim amanhã e vice versa.
E buscar aquilo que é bom e não se perde jamais, em nenhuma das solidões.
Paciência, nunca fez mal a ninguém.
Gratidão, algo sempre pode ser pior.
Amor, entregar apenas o bem sem buscar vingança.
Diligência, fazer algo em feito, sempre que possível.
Mas até essas coisas estão na parte, afinal paciência demais vira covardia, gratidão demais pode gerar miséria, muita diligência pode gerar frustração caso não haja reconhecimento. E amor demais pode te matar.
Só resta não esperar nada desse mundo material.
A bela e tranquila mansidão.
Fazer algo buscando fazer o bem e obter bons resultados. Se os resultados esperados vierem, não se deslumbre, é temporário. Se não vierem, era uma possibilidade.
E por que não fazer o mal?
Normalmente se colhe o que se planta. Fazendo o bem a tendência é ter bons frutos. Talvez não seja aquela safra maravilhosa, mas tem frutos. Mas fazer o mal... Essa colheita normalmente acaba em dor, sofrimento e frustração. Mas não se engane, a maior parte das pessoas passa boa parte do tempo fazendo o mal. Algumas nem sabem disso.
Sempre acaba fazendo mal viver na terceira face da realidade, no mundo das ilusões temporárias. A maior parte das pessoas se apegam ao que acabará em breve. Como uma linda modelo que é paparicada durante a juventude. Mas quando chega a velhice é deixada em solidão, pois não é bela como era e aquilo a corrói. Ela tenta ter novamente sua aparência em vão. Muitas fazem cirurgias plásticas escabrosas. Ou ela aceita que acabou o temporário, aproveitando as amizades junto do que restou e também é temporário, ou sofrerá nessa solidão.
Então não deixe a tristeza ou a alegria te dominar. Busque fazer o bem, ter alegrias, ajudar outras pessoas, não se vingue de ofensas tolas (como em brigas de trânsito), se apaixone por alguém, planeje uma boa vida junto, busque o que pode trazer alegrias a você e aos outros. Mas se ela não vier, tudo bem. Tudo é temporário nessa nossa realidade. Se focar em tristezas terá isso, pois a realidade apresentará várias formas de tristeza para você ser (será um abandonado, um desempregado, um ex-marido, um drogado...). Se focar na alegria, será alegre, pois, a realidade apresentará ilusões que trarão a alegria temporária para você ser, mas lembre-se que será temporário e não desanime quando acabar. Na melhor das hipóteses daqui a alguns anos terá ossos frágeis e cabelos brancos como a neve. Quem sabe a alegria que não se corrompe te visite, a celestial, assim como visitou o mendigo que me contou uma história hoje de manhã. Mas essa eu conto a você em outro dia.
De seu amigo, Ludwick Bolach