Um furacão, e o silêncio

Eu sempre gostei de escrever, nunca fui dos números. Números são exatos, e eu nunca encontrei exatidão em coisa alguma.

Tudo em mim era incerto e confuso. Durante a adolescência, não pensamos muito, apenas sentimos, sentimos e sentimos. Não compreendemos o que acontece do outro lado, e quem dirá do lado de dentro. Como explicar as feridas que nos acompanham com o tempo, e que, apesar de não serem visíveis a olho nu, parecem nunca cicatrizar? Você não as vê, mas elas estão lá, influenciando suas decisões, impulsionando seus medos, trazendo mais temor do que amor, sufocando sua coragem.

Os que foram feridos na infância entenderão bem o que quero dizer, que nem tudo passa com o tempo. E mesmo que algumas coisas passem, nem sempre passam da melhor forma.

Talvez você não saiba, mas pode ser a sua criança interior que não te deixa amar, confiar, demonstrar sentimentos, se permitir ser vulnerável, não te deixa viver inteiramente.

Quantos de nós sofremos as primeiras decepções pelas pessoas que deviam nos ensinar sobre as bases da confiança... o que resulta disso? Construímos nossas “casas” sobre a areia, elas têm volume, mas não são firmes.

A questão é que dadas as atuais circunstâncias, não ser firme não é uma opção, para nenhum de nós. E se nossa força não vem da confiança, do que ela será feita? Da dor, dos traumas. Castelo de areia.

E seguimos andando por ruas movimentadas, apressados para chegar em nossos empregos que nos permitem pagar nossas contas básicas, mas que não conversam com nossos propósitos, isso quando conseguimos conjecturar que propósito será esse. Será algo sublime e grandioso, como um amor avassalador? A questão é que se não encontramos aconchego em nossas primeiras relações, como encontraremos um propósito? É, ser adulto neste século não é fácil, as coisas eram mais simples quando juras de amor eram escritas em papel, e não havia mal nenhum nisso, demonstrar sentimento era permitido. Nós seres humanos éramos mais gentis, solidários, amáveis, e dados ao amor. Amor a vida, aos outros, aos bichos, as letras, as crianças, as brincadeiras, a beleza do dia e da noite, éramos mais humanos, ter menos nos permitia SER mais. Agora temos muito, muitos recursos, muitas possibilidades, muitos contatos, talvez muitas riquezas, e então sentir se tornou dispensável. Essa reflexão parece bem clichê, não é mesmo? Porém, sei, que do outro lado destas páginas também há um ser humano cansado da força que precisamos mostrar a todo tempo, sem espaço para curar suas dores, assim como eu. As dores que vieram da criança, do adolescente, ou até mesmo da vida adulta.

O você criança pode ter sido negligenciado, o adolescente não ter sido acolhido, o adulto, traído, ou todas essas coisas juntas. Independente do roteiro, somos todas essas versões em uma só, não podemos fugir disso. E todas essas estradas que percorremos se tornam os nossos “km rodados”, eles constroem nosso repertório.

Talvez você, assim como eu, chegou em um momento em que as feridas não estão visíveis, mas elas falam. Elas falam comigo, elas falam com você. Você sabe que elas estão lá, você sabe de onde elas vêm. Esse adulto de hoje que paga suas contas e encarou a vida como pode, ainda tem contas acertar, e não são boletos fáceis de pagar. São contas invisíveis, profundas, dívidas antigas, heranças de família, parceladas em muitas vezes. A boa notícia é que nunca é tarde para negociar, propor um acordo. A sua criança interior estará disposta a ouvir sua proposta, ainda que você não tenha o valor integral para pagar, mesmo que o pagamento seja em suaves prestações, ela quer te ouvir, ela quer negociar. Ela sabe que parte desse débito são juros de uma dívida que você herdou, quando não tinha poder de escolha. Mas, agora que você cresceu, finalmente pode escolher, agora vocês podem se sentar e conversar sobre o que passaram, das dores que enfrentaram, das mágoas que guardaram, e sobre tudo que restou. Só você, e sua criança interior, juntas, vocês conseguirão se curar.

Cmds
Enviado por Cmds em 19/11/2024
Código do texto: T8200596
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