Consciência Negra
Sou negro, sim! Meus antepassados foram escravizados no Engenho de Santana de Ilhéus. Trabalhávamos na lavoura e no engenho para o senhor branco, português, que nos tratava como mercadoria. Mas, embora nos tivessem tirado a liberdade, jamais conseguiram tirar nossa resistência. A dor que herdamos se transforma em força, e a coragem de nossos ancestrais é o fogo que mantém acesa a chama da nossa luta.
Meus avós foram analfabetos, como tantos outros, pois a educação foi negada a nós, como se fôssemos incapazes de pensar, sonhar e ocupar nosso lugar na história. A abolição, embora tenha retirado as correntes físicas, não nos deu liberdade real. Na prática, fomos libertos para viver em um Brasil onde a terra, a moradia, a educação e a dignidade continuavam inalcançáveis, e a opressão se travestia de novos mecanismos de controle.
No Sul da Bahia, entre o final do século XIX e o século XX, muitos indígenas e descendentes de escravizados foram despojados de suas terras e forçados a trabalhar nas fazendas de cacau. O trabalho árduo, sem direitos e em meio à miséria, sustentava os coronéis que, como nossos antigos senhores, nos tratavam como mercadoria. Mas a resistência nunca nos deixou. Entre os muitos "Marias" e "Josés", destaco Didinha Jovem, minha bisavó, que, como tantas outras mulheres negras, foi obrigada a migrar em busca de uma vida melhor. Nas terras de Piraúna, ela semeou as raízes da resistência que nos alimentam até hoje.
A desigualdade e a injustiça continuam a afetar a vida dos negros brasileiros. Como podemos, então, falar de liberdade em um Brasil onde a cor da pele ainda define o lugar de cada um na sociedade? E quem de nós, em pleno século XXI, pode negar que as desigualdades históricas ainda se impõem sobre a vida de milhões de negros brasileiros? Como podemos construir um futuro onde a liberdade de um povo se faça finalmente plena?
Com o axé de nossos ancestrais, a força das nossas culturas e a sabedoria que carregamos, seguimos em resistência. Nas rodas de samba, no Afroxé de Edite, nos Terreiros de Candomblé, e nas ruas, onde gritos de liberdade ainda soam, continuamos a lutar por um futuro onde nossos filhos e netos possam viver sem as correntes da opressão que nos foram impostas.
A dor que herdamos é a chama da nossa luta, e a coragem que trazemos de nossos ancestrais nos impulsiona a não parar, a não ceder. Nosso futuro, como sempre foi, será forjado em nossas mãos, incansáveis, até que a justiça não seja mais uma promessa, mas uma realidade. Nós, descendentes de guerreiros, filhos de Zambi, não vamos desistir.