DEMOCRACIA DOENTE
A Constituição de 1988 conferiu aos cidadãos uma ampla gama de direitos fundamentais, mas o constituinte não se preocupou com a modelagem do sistema político. O que temos é um sistema pouco representativo (voto proporcional em lista aberta). O cidadão não sabe em quem está votando, a minoria dos parlamentares foi eleita pelo voto direto. Em consequência, impera o clientelismo e a pressão de grupos de interesse pouco empenhados no bem-estar do país. Há também uma falta de freios e contrapesos aos poderes da república. O judiciário não tem controle algum, faz os próprios orçamentos e os seus integrantes só podem ser julgados por seus pares, praticamente. A alta cúpula, então, comporta-se como se estivesse acima das leis e da constituição. O executivo é repleto de poderes orçamentários e de iniciativa legislativa, mas sua atuação está engessada por uma infinidade de regras constitucionais. Não há margem de manobra para lidar com os conflitos políticos e para adequar as demandas orçamentárias. Por fim, a fragmentação partidária destrói qualquer possibilidade de mudança sistêmica, ordenada e eficaz. Sobra espaço para velhos acordos políticos, baseados no escambo de cargos, favores e abocanhamento de verbas orçamentárias, tudo feito por debaixo dos panos. O resultado de tudo isso, ao longo de mais de 30 anos, está aí: corrosão da credibilidade das instituições; corrupção endêmica; sobreposição dos poderes de estado sobre as garantias individuais; estado inchado, endividado e submisso a pequenos grupos de interesse que dominam a maioria silenciosa. Creio que a polarização, a desinformação, os apelos autoritários tanto de esquerda e de direita, e o vandalismo (sim, o 08/01 e o cara dos fogos de artifício não saem da esfera do vandalismo) são sintomas de uma democracia doente, cujo organismo está em estado terminal.
Claro, esta é uma hipótese meramente cogitada a partir da ciência política. Há outras inúmeras explicações.