Cumplicidade

Parece que, nos tempos de hoje, nossas vidas têm estado cada vez mais expostas. Mas acho que podemos ir um pouco mais além. Parece que, nos dias de hoje, temos sentido alguma necessidade de expor aquilo que estamos vivendo. Isso porque é o que vemos outras pessoas fazendo: televisionando suas vidas através de vídeos curtos, publicações que duram vinte e quatro horas ou de malabarismos para que seus “feeds” pareçam sempre tão atrativos e organizados. É quase como se a privacidade tivesse simplesmente acabado. E não é porque alguém invadiu nossa casa com drones extremamente discretos. Pelo contrário. Nós mesmos temos tornado público aquilo que, de certa maneira, compõe a nossa intimidade.

E não há problema em compartilhar o nosso cotidiano. Claro que não. Afinal, quem, assim como eu, não gosta tanto dessa autoexposição, simplesmente não precisa participar dela. O problema, entretanto, surge quando a exposição se torna mais importante que a vivência da experiência. Basta irmos a um show, por exemplo. Todos querem mostrar que lá estiveram e, para tal, acabam assistindo ao espetáculo mais preocupados em provarem e comprovarem sua presença por lá com infindáveis gravações no celular. E, novamente, não há problema em registrar momentos que a nós são importantes e que, muitas vezes, foram sonhados por dias. O problema acontece quando o show, ao invés de ser aproveitado em sua plenitude, é vivido de forma superficial porque a preocupação não está em admirar o artista e guardar na mente uma memória especial, mas em saber se a maquiagem ficou boa, o cabelo está bonito e o sorriso está perfeito para aquelas milhares de fotos que serão postadas como uma forma de dizer que “eu vivi”. Mas será que ouve vida realmente?

E o problema se torna maior quando aquelas experiências intimamente humanas acabam sendo transformadas em elementos para a tal autoexposição que busca por repercussões, por comentários, por impactos. Dentre elas, a experiência do amor. Porque alguns começam relacionamentos amorosos, por exemplo, na intenção de narrarem um novo capítulo de suas histórias que são contadas nas redes sociais. Preocupam-se em ter alguém para colocar na biografia, mas não estão interessadas realmente em terem alguém para colocarem em suas vidas. É como se a ilusão do virtual fosse mais importante que a verdade do real. E, então, pintam uma vida que não existe, tentam exibir uma história que não está sendo escrita, mas apenas fingida. Ficam chateados quando não têm fotos para postar. Ficam incomodados quando seus parceiros não fazem questão de publicar suas vidas. E até surtam se seus nomes não estão fixados na biografia daqueles que dizem “amar”. Com isso perdem a magia que é estar de fato entregue às experiências que a vida proporciona não para que sejam performadas. Mas para que sejam simplesmente vividas.

“O amor de verdade não precisa de palco. Ele acontece na cumplicidade de quem escolhe ficar, todos os dias, ao seu lado” (Edgard Abbehusen)

E cumplicidade, é importante frisar, não acontece com milhões de pessoas nos assistindo ou com aquela nossa estranha necessidade de sermos por elas assistidos. A cumplicidade pressupõe que haverá coisas que serão únicas e exclusivamente nossas, vividas na intimidade da nossa privacidade, coisas que não interessam ao mundo, mas à história que, em conjunto, buscamos escrever, coisas que serão entendidas e compreendidas apenas por nós e por mais ninguém. A cumplicidade não precisa de plateia. A cumplicidade não precisa de palco. A cumplicidade precisa, apenas, de corações dispostos a se entregarem ao que de mais precioso alguém pode construir com outra pessoa: uma existência singular e que, exatamente por ser singular, pouco se importa com exposições ou exibicionismos, preocupa-se apenas em ser desfrutada e vivida com a mesma singularidade com a qual se apresenta.

(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)