Tem tubaína?

“Olá, jovens! Um engradado de cerveja?”, em seguida a estrepitosa resposta: “Tem tubaína?”. Jamais poderia projetar que, uma pergunta, rebatida com uma nova interpelação, representaria um momento tão sublimado.

As nossas escolhas, em geral, têm sempre razoáveis possibilidades de darem erradas ou, ao menos, não necessariamente decorrerem como foram previamente planejadas. Isso ocorre porque, definitivamente, nunca se sabe ao certo de onde os vindouros momentos da vida podem irromper. Grande parte das vezes eles perpassam, exatamente, de eventos dos quais não se espera rigorosamente nada.

Deve estar um pouco confuso percorrer os labirintos da trama, embora seja mais simples do que pareça. Está relacionada àquelas desventuras adolescentes das quais mesmo após tantos anos não conseguimos nos desvencilhar. Nos primeiros dias da última semana do ano de 1999, eu comemorava mais uma volta ao sol.

A terça-feira fora enfastiante, sem quaisquer novidades. Toda emoção estaria reservada para as últimas horas da noite. Alguns amigos me convenceram a realizar uma comemoração, algo bastante simplório, literalmente para não deixar passar em branco o natalício. Como dinheiro era o que faltava, tivemos a brilhante ideia de promover uma comemoração regada à tubaína.

Para isso, mobilizamos os envolvidos a juntarem o maior número possível das retornáveis garrafas de cervejas. Pedindo aqui e ali, chegamos a reunir nada menos que 24 cascos, formando assim um engradado completo. Como não havia varinha de condão para fazer a bebida aparecer, meus queridos amigos e eu, com os bolsos abarrotados de moedas, inauguramos a segunda parte do plano: a compra do bom e velho refrigerante de qualidade e procedência duvidosas.

Essa segunda etapa, felizmente, seria cumprida em grande estilo. Besta de quem pensou que embarcaríamos em uma verdadeira escalada peregrina com goma de chinelo velho raspando o paralelepípedo, uma jornada desenfreada para alcançar a bebida gaseificada responsável por adocicar a noite (e consequentemente meu aniversário). Passamos a ocupar os botecos da região, no conforto de um imponente Fiat Tempra de cor vinho. 

Enfim, o ápice da noite decorria de modo fragmentado. A cada parada, a mala do Tempra se escancarava como uma boca despejando o infrutífero engradado. Todos se revezavam no abandono do aconchegante carango para, sem delongas, se ver interceptado pelo dono do estabelecimento. Sem pestanejar, o comerciante oferecia seu melhor sorriso, como se estivesse diante de alguma sumidade.  

— Boa Noite! Um engradado completo de cerveja? Tem preferência pela marca?

— Não! Só quero saber se tem tubaína, moço? — O sorriso enlevado, em um piscar de olhos inesperadamente parecia drenado pelas trevas.

Do céu ao inferno em poucos segundos, a perturbante cena (logo absolutamente hilária para nós), decorreu ao menos meia dúzia de vezes, até encontrarmos a tal tubaína. A diversão chegara ao fim diante do sentimento de que poderíamos nos deslocar pelos bares durante a noite inteira.   

Tantos anos depois, prevalece o sentimento de que não devo ter comemorado um aniversário de maneira tão autêntica. A saudade desmedida! Recordo que esvaziamos metade daquelas garrafas durante a noite cálida e optamos por deixar o restante (se a memória não me falha) para o dia seguinte. Tantos anos depois ainda me vejo rindo descompassadamente, rememorando esse (tão esplendoroso) dia. Um pouco exagerado, certo?

Se me fosse concedido o direito de reviver, uma vez mais, algum momento passado, provavelmente eu não escolheria esse, mas seguramente seria elencado entre as opções. Afinal, a despeito de, no fim, tipificar nada além de um “besteirol” adolescente (não demorou tanto para mudamos o refrigerante), eventos hilariantes dessa natureza nos fazem nutrir certo orgulho por nossa incessante jornada. Faz a vida valer um pouco mais a pena. 

Já ia esquecer a última indagação, deixada logo acima. Na falta de uma resposta plausível para elucidar a questão, apenas recorro a um simbólico brinde em honra a quem chegou até aqui e se faz merecedor de tragar essa tubaína comigo. Tim-Tim!

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 11/11/2024
Reeditado em 11/11/2024
Código do texto: T8194635
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.