A Hora do Vampiro (Salem’s Lot)
Estreou há poucas semanas no MAX a tão aguardada — ao menos por mim — nova adaptação de “Salem’s Lot”, ou “A Hora do Vampiro”. A fonte de inspiração para o longa vem de longe, lá pelos idos de 1975, quando Stephen King, ainda nos primeiros anos de carreira, lançava “Salem”, seu segundo livro. Assistir ao filme também me fez reavivar alguns anos, não tantos como Gary Dauberman, cineasta responsável por roteirizar e dirigir o longa para o streaming, mas regressar para 2020, quando redigi meu TCC, uma das etapas de conclusão da graduação em Letras Português.
“Literatura X Cinema – Reflexões sobre adaptações cinematográficas”. Como o título sugere, o trabalho propôs abordar um pouco da intricada conexão estabelecida entre cinema e literatura, esmiuçando o fenômeno que são as adaptações cinematográficas. Principalmente tentando entender por que existe a tendência das pessoas, quase sempre, preferirem o livro ao filme.
No âmbito desse real embate, com respaldo teórico, posso adiantar que o artigo acadêmico vai até o inferno e volta para mostrar que o processo adaptativo, embora mantenha diálogo com a obra fonte, precisa ser concebido como uma realização não apenas independente, como dotada de própria originalidade.
Mas o que diabos tudo isso pode ter a ver com a nova adaptação de "A Hora do Vampiro"? Primeiro é preciso lembrar que o filme de Gary Dauberman é a terceira adaptação do enredo, o primeiro em formato fílmico. "A Mansão Marsten" de 2004 e a versão mais badalada, "Os Vampiros de Salem/A Mansão Marsten", de 1979, assinada pelo notável Tobe Hooper, são as duas minisséries anteriores.
Muitos elementos contidos no livro escrito por King e nas duas minisséries, principalmente a de 1979, estão ausentes na mais nova adaptação. No entanto, apesar de certo esvaziamento da trama, o filme “funciona” e quem não leu o livro ou assistiu à produção audiovisual datada de mais 40 anos, dificilmente poderá inferir tais lacunas.
A Hora do Vampiro
A trama segue o escritor Ben Mears, que após muitos anos retorna à sua cidade natal em busca de inspiração para um novo romance. Mal sabia o bom escriba que, se a nova incursão lhe renderia encontrar um novo amor, também viria atrelada a muitos problemas em forma de presas pontiagudas e desenfreado desejo por sangue.
“A Hora do Vampiro”, já nos primeiros minutos, ostenta um dinamismo que acaba se contrapondo à maneira como a trama se desenrola tanto no livro como nas adaptações anteriores. Isso confere uma identidade mais moderna à narrativa, rompendo a impressão de que as coisas demoravam um pouco demais para acontecer. Não que isso fosse necessariamente um problema, pois ajudava a erigir um clima mais sombrio. Em contrapartida, o público atual, consumidor de produções contemporâneas, possivelmente reclamaria por maior intensidade em seu transcorrer.
Inclusive, durante os eventos finais, o longa mostra coerência com a proposta e imprime um ritmo mais extasiante e exacerbado, com direito a uma batalha derradeira altamente audaz, cercada por nuances de inventabilidade. O enredo realmente abre mão de explorar várias relações cruciais, como o forte vínculo desenvolvido entre Ben Mears e a “Mansão Marsten”, que dessa vez se mostrou absolutamente ambíguo, além do relacionamento entre o protagonista e Susan Norton ser um tanto raso, sem qualquer aprofundamento.
Se partirmos do ponto de que as adaptações literárias, não necessariamente, devem fidelidade à obra inspiradora, é possível dizer que Gary Dauberman realizou um bom trabalho. É dotado de identidade própria, embora indubitavelmente haverá quem torça o nariz.
Diante de um amplo conjunto de ideias, sem precisar recorrer a qualquer referencial teórico, é imperioso deduzir que obras audiovisuais adaptadas jamais devam despontar como uma mera cópia dos textos literários os quais serviram de inspiração. Se “A Hora do Vampiro” de Dauberman está longe da perfeição (um filme nota 6,5), ao menos surge como uma nova aventura intertextual, com uma linguagem própria e peculiar.