Amor e espetáculo
Há não muito tempo conversamos por aqui sobre o conceito de utilidade estar sendo incluído na nossa relação com as pessoas. E isso tem ficado cada vez mais claro. Tanto que muitas relações, sustentadas na superficialidade da utilidade, acabam desmoronando ao soprar de leves brisas. E em relação a isso esbarrei, nos últimos dias, em um belo pensamento que transcreverei a seguir. Ele traz uma verdade. E nos coloca para refletir sobre a complexidade do que tem acontecido. Talvez seja interessante que, antes de acompanhar as conclusões às quais cheguei, você faça uma pausa e pense aí, consigo mesmo, em como esse pensamento o afeta.
“Hoje as pessoas namoram para mostrar, não por amor, isso tem feito com que muitas pessoas prefiram ficar sozinhas” (Slavoj Zizek)
Outro autor diria que vivemos na sociedade do espetáculo. E nessa sociedade tudo precisa ser performático. É como se estivéssemos vivendo não para nós, mas para o outro, para impressioná-lo, entretê-lo, deixá-lo de boca aberta e sem palavras sobre o quanto somos incríveis e temos uma vida maravilhosa. Nessa busca, entretanto, ocorre outra coisa: nunca estivemos tão vazios e angustiados pela falta de sentido na vida. Isso porque, sabemos, nem que seja bem lá no nosso íntimo, aquela vida que encenamos não é a vida que levamos, aquilo não passa de teatro e ilusão, e se aplaudem estão aplaudindo uma mera personagem que, na real, nem existe.
E faz parte do “performar”, faz parte do “teatro da vida”, seguir o script e demonstrar algum amor. Não que todos estejam vivendo dessa forma. Felizmente não é bem assim. O que assusta, no entanto, é que embora nem todos o façam, muitos têm seguido por esse melancólico caminho: o de viver o amor como se ele fosse algo útil, um meio para um fim, um mero objeto a cumprir determinadas finalidades. Querem um amor perfeito, querem o par ideal, e acabam frustrados quando, ao passar dos dias, a realidade se impõe. Amar não é fácil. Amar não é um conto de fadas. Amar não é como parece ser nas historinhas infantis. Amar exige empenho, dedicação e esforço. Amar, muitas vezes, implica que, momentaneamente, afastemo-nos do centro do palco para que aquele que amamos possa brilhar. E, na sociedade do espetáculo, fica difícil abrir mão dos holofotes por amor, isso porque o amor precisa ser útil... A quê? Ao nosso espetáculo, ao nosso show, ao nosso brilho, a uma importância e significância que, lamento dizer, nós não temos. Poderíamos, sim, sermos extremamente importantes e significativos a alguém especial se não estivéssemos tão preocupados em sermos importantes e significativos a uma multidão de pessoas que, vendo stories automaticamente, simplesmente passam o nosso para frente e não estão nem aí se quem estava ao nosso lado tinha os olhos verdes, os dentes brancos e os braços fortes...
Não. Tal qual a humanidade, o amor não pode ser jogado na caixinha da utilidade. O amor não é útil. O amor é uma vivência. Uma vivência que nos nutre e auxilia em nosso desenvolvimento pessoal e interpessoal. Mas não deve ser visto como o caminho para o destino. O amor é o próprio destino. Isso porque só chega nele quem percorre a estrada da humildade, da serenidade e da transcendência. Só alcança o amor quem entende que há algo maior que a nossa individualidade, embora ela tenha a sua importância: o Todo que nos faz ser um só. E sendo o amor o reconhecimento desse Todo que somos, é, então, necessário que sejamos capazes de abrir mão do espetáculo e da performance – não somos mais especiais que ninguém, ao mesmo tempo talvez sejamos tudo para alguém... Mas, como mencionei antes, para sermos tudo a alguém não dá para nos preocuparmos em sermos tudo para o mundo... O mundo não se importa. Mas aquele alguém... É... Talvez ele, e apenas ele, se importe...
(Texto de Amilton Júnior - @c.d.vida)