Protesto
Protesto. Mas, antes de vomitar palavras no seu monitor, quero trabalhar sua imaginação - só assim você vai me entender. Feche os olhos (hipoteticamente) e pense (literalmente): você está num carro estacionado na beira da praia. Água transparente, areia fininha, gente para todo lado e, talvez o mais importante, um caldo de cana bem em suas mãos - Deus salve os quiosques! De forma súbita, entretanto, o carro começa a andar. Lentamente, o motorista vai acelerando: passa a segunda, a terceira, a quarta e... pronto, alcançamos a velocidade máxima. Agora, eu te pergunto, se você olhasse para o lado, o que veria? Aquela paisagem pitoresca? Não.
Rabiscos. É, você veria somente rabiscos. De tão rápido que o carro foi, a paisagem, antes nítida, tornou-se distorcida. Falsa. A brisa suave da costa, a beira-mar, as pessoas... tudo perdido; em última análise, os detalhes: tudo é borrão agora. E é contra isso que protesto. Meu protesto é contra essa vida acelerada que não consegue apreciar as pequenas coisas. Glória a Deus pelas grandes! Elas não são ruins, meu Jesus fez grandes coisas e prometeu que faríamos ainda mais. Contudo, o meu Deus sabia muito bem parar num poço no meio de Samaria e atender uma só mulher. No fundo, Ele sabia parar. Apreciar, sabe? Olhar no olho do outro, escutar música boa, chorar... viver. Adélia Prado, uma poeta brasileira, disse num de seus poemas:
"Daqui a muito progresso tecno-ilógico, quando for impossível detectar o domingo pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas, em meu país de memória e sentimento, basta fechar os olhos: é domingo, é domingo, é domingo."
É preciso parar. Eu preciso, pelo menos. Aproveitar o domingo de laranjas, bicicletas e poesia. É só parado que a vida perde a estridência. Cansei de fingir que sou robô: eu sou gente, canso. Entretanto, não vou negar não: é difícil parar. São tantas pressões, demandas e afazeres que me levam a acelerar o carro... tão querendo por aí que eu passe a quinta, mas não posso. Eu preciso ouvir a voz do Mestre; seguir o caminho das ovelhas. Sem paciência, a beleza turva-se.
Por isso, o meu protesto é contra a quinta; sou a favor mesmo é do ponto morto.